Justiça condena policiais por desaparecimento e morte de Amarildo
Treze policiais militares foram condenados à prisão pela morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Ele desapareceu em julho de 2013, após ter sido detido por PMs na porta de sua casa e levado à Unidade de Polícia Pacificadora da comunidade.
Para a juíza Daniella Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal da capital, a materialidade existe mesmo com a ausência do corpo, pois “robusta prova testemunhal”, imagens e interceptações comprovam que os réus participaram do crime.
O objetivo, segundo a sentença, era extrair informações sobre a localização de drogas e armas, numa tentativa de melhorar o resultado de uma operação que havia registrado poucas apreensões. A polícia foi atrás de Amarildo porque, de acordo com um informante, estava com as chaves de um paiol do tráfico.
“Infelizmente, sabemos que ele não sumiu. Amarildo morreu. Não resistiu à tortura que lhe empregaram. Foi assassinado. Vítima de uma cadeia de enganos. Uma operação policial sem resultados expressivos. Uma informação falsa. Um grupo sedento por apreensões. Um nacional vulnerável à ação policial. Negro. Pobre. Dentro de uma comunidade à margem da sociedade. Cuja esperança de cidadania cedeu espaço para as arbitrariedades”, afirmou a juíza.
Os policiais foram condenados pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual e também deverão perder a função pública. O comandante da UPP da Rocinha na época do crime, major Edson Raimundo dos Santos, foi condenado a 13 anos e 7 meses de reclusão, por ter sido considerado mentor intelectual dos crimes.
O subcomandante da UPP, tenente Luiz Felipe de Medeiros, foi sentenciado a 10 anos e 7 meses de reclusão. Segundo a decisão, ele não só orquestrou todo o crime como participou pessoalmente da execução e pediu que um soldado entregasse a capa de uma moto para esconder o corpo. Outros 11 soldados receberam pena que varia de 9 a 11 anos de prisão, enquanto 12 réus foram absolvidos de todas as acusações.
“Estamos diante de agentes que utilizaram meios escusos para obterem resultados concretos. Uma verdadeira distorção de valores que se revelou na atrocidade cometida”, diz a sentença. “A tão propagada estratégia de Segurança Pública implantada em várias comunidades do Estado, a partir deste insulto contra o Estado de Direito, revela o despreparo e ineficiência de policiais que estariam nas UPPS justamente para a pacificação. A paz não se faz com guerra. A suposta finalidade de pacificação não se coaduna com a utilização de meios extremos e medievais.”
Modus operandi
A sentença narra que um dos soldados informou a localização de Amarildo ao comandante da UPP. O oficial então, junto com o tenente Medeiros, determinou que soldados buscassem o ajudante de pedreiro para “averiguação”. “Amarildo era morador da comunidade e já conhecido dos denunciados. Não havia qualquer motivo lógico para conduzir a vítima ao CCC [Centro de Comando e Controle], considerando que os agentes sabiam que não se tratava de um traficante”, avaliou a juíza. “Não havia qualquer crime em curso ou atitude relevante capaz de justificar a apreensão de Amarildo.”
Quando Amarildo foi levado à unidade, policiais que trabalhavam na parte administrativa foram obrigados a ficar dentro do contêiner que funciona como sede da UPP pelos comandantes. “Evidente que Edson não queria testemunhas da morte de Amarildo no local. Quanto menos policiais permanecessem na sede, maiores as chances de ‘encobrir’ o ocorrido”, concluiu a julgadora.
A sentença relata ainda que Amarildo foi submetido à tortura por cerca de 40 minutos com descargas elétricas de uma arma do tipo Taser e afogado com submersão em balde com água.
A defesa de parte dos réus apostou na tese de que Amarildo teria sido vítima de traficantes de drogas depois de supostamente liberado pelos policiais que o capturaram e levaram à sede da UPP. A juíza questiona o fato de nenhuma das 80 câmeras instaladas pela Secretaria de Segurança Pública ter registrado a movimentação do ajudante de pedreiro.
“Não há qualquer lógica em tal afirmação. É sabido que no entorno da UPP ficam policiais fortemente armados. Os fatos se deram no curso de operação policial que implantou um cerco na comunidade. Não seria o melhor momento para que os meliantes agissem, considerando o efetivo que se encontrava distribuído pela Rocinha e já que Amarildo estava sempre na comunidade, sendo conhecido por todos”, afirmou a juíza. A decisão não foi divulgada, e ainda cabe recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.