Carvalho e Silva Advogados

Comerciante vai pagar dano moral coletivo por contaminação de pepino

Por Jomar Martins

Vender hortifrutigranjeiros contaminados por defensivos proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) coloca em risco a saúde de uma infinidade de consumidores, sujeitando o infrator à condenação por dano moral coletivo.

Por isso, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra, sentença que condenou um atacadista flagrado na venda de pepino com resíduo de acefato e clorpirifós, ingredientes ativos de inseticidas usados irregularmente na horticultura. O valor da reparação, de R$ 60 mil, será revertido ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

No primeiro grau, a juíza Débora Kleebank, da 15ª Vara Cível da Capital gaúcha, afirmou que vender produtos contaminados por agrotóxicos, em desacordo com as normas regulamentares, é prática abusiva. E que a responsabilidade do empresário vem expressa no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). O dispositivo diz que os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade dos produtos que os tornam impróprios ou inadequados ao consumo.

O relator do recurso de Apelação no TJ-RS, desembargador Carlos Cini Marchionatti, demonstrou que o empresário não conseguiu provar que a contaminação se restringia a uma pequena parcela dos produtos que comercializa (a amostra deu positiva para 2kg de pepino). Esta obrigação consta no artigo 12, parágrafo 3º., inciso I, do CDC.

Em relação à responsabilidade solidária do comerciante, o relator citou os artigos 7º (parágrafo único), 10 e 18 (caput e parágrafo 5º), todos do CDC. A seu ver, o comerciante atacadista de produtos hortifrutigranjeiros possui condições e responsabilidade de escolher e detectar os produtos que utilizam agrotóxicos em desacordo com as regras da Anvisa.

‘‘A comercialização de produtos contaminados por agrotóxicos gera danos de ordem difusa à saúde dos consumidores, justificando a condenação por dano moral coletivo, na medida em que o comerciante deve buscar adquirir sua mercadoria de produtores identificados, conforme Norma Técnica 1/2005 da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, e preferencialmente certificados, sob pena de concorrer à responsabilização civil pelo uso indevido de agrotóxicos’’, encerrou Marchionatti. O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de janeiro.

Ação coletiva
Tudo começou quando o Laboratório Central de Saúde Pública do Instituto de Pesquisas Biológicas do Rio Grande do Sul (IPB), ligado à Secretaria Estadual da Saúde, constatou resíduos de acetato e clorpirifós numa amostra de pepinos coletada do atacadista na Central de Abastecimento de Porto Alegre (Ceasa).

Segundo o laudo assinado pelo engenheiro químico Jerônimo Friedrich, a amostra apresentou 0,005mg/kg, em desacordo com o disposto na Resolução MS/Anvisa 165, de 2003. Em síntese, por não serem autorizados, estes agroquímicos não poderiam ser usados neste cultivo.

O IPB enviou o laudo para a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, que instaurou Inquérito Civil para investigar possível comercialização de produtos com a presença de agrotóxico, em desacordo com as normas regulamentares.

Confirmada irregularidade, o Ministério Público ajuizou Ação Coletiva de Consumo contra o atacadista, pedindo, além da abstenção de venda de produtos in natura fora das especificações legais, a sua condenação por danos à coletividade dos consumidores.

Isso porque, segundo a ação, o acefato possui características genotóxicas (alterações genéticas), pode causar câncer e leva a distúrbios neuropsiquiátricos e cognitivos (dificuldades de aprendizagem). E o clorpirifós é apontado em diversos estudos como causador de sequelas neurológicas e no fígado, podendo levar à cirrose.

Chamado a se defender pela 15ª. Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, o empresário atacadista apresentou contestação. Afirmou que seu estabelecimento é um box, utilizado para armazenagem de produtos in natura, adquiridos diretamente dos agricultores. Garantiu que não tem a mínima ingerência sobre produção dos hortifrutigranjeiros que recebe, não possuindo, sequer, laboratório para verificação de resíduos. Logo, entende que não deve ser responsabilizado, pois não concorreu para a irregularidade.