STF gera insegurança com idas e vindas sobre HC contra ato de ministro
As idas e vindas do Supremo Tribunal Federal sobre o cabimento de Habeas Corpus contra decisão monocrática de ministro da corte afetam a segurança jurídica e passam um mau exemplo aos magistrados de instâncias inferiores. Essa é a opinião de advogados ouvidos pela ConJur.
A questão voltou à tona após a ministra Rosa Weber negar HC impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra decisão de Gilmar Mendes que suspendeu a posse dele como ministro da Casa Civil e devolveu as investigações contra o petista para o juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sergio Moro. Na visão da ministra, esse remédio constitucional não pode ser usado contra decisões individuais de seus colegas, conforme fixa a Súmula 606 do STF, que tem o seguinte enunciado: “Não cabe ‘Habeas Corpus’ originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do Plenário, proferida em ‘Habeas Corpus’ ou no respectivo recurso”.
Esse era o entendimento pacificado da corte até 26 de agosto de 2015. Nesta data, após empate de cinco a cinco (Teori Zavascki não pôde votar por ter sido o autor da decisão questionada), que favorece o réu,prevaleceu a tese de que o HC é “ação nobre sem qualquer limitação na Constituição Federal” e, portanto, pode ser impetrado contra ato de ministro do Supremo. Com isso, o Plenário conheceu de HC de um ex-executivo da Galvão Engenharia e analisou a validade do acordo de delação premiada firmado pelo doleiro Alberto Youssef na operação “lava jato”. Porém, o tribunal declaroua regularidade do compromisso.
Menos de seis meses depois, no entanto, por seis a cinco, o STF voltou ao posicionamento anterior sobre a questão, e tornou a não admitir HC contra decisão monocrática de ministro da corte. A maioria dos ministros concluiu que a via adequada para essa situação é o agravo interno, previsto no artigo 38 da Lei 8.038/1990. Dessa forma, eles negaram HC contra decisão pela qual Cezar Peluso (já aposentado) autorizou a prorrogação de escutas telefônicas por duas vezes, resultando num grampo de 45 dias.
Essa mudança de entendimento em um curto intervalo gera incertezas e desvaloriza os precedentes do STF, opina o advogado Eduardo Mendonça, sócio do Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados.
“O papel dos tribunais superiores é o de decidir as questões jurídicas controversas e estabilizar a jurisprudência. A segurança jurídica é requisito para que as pessoas saibam qual o direito aplicável e possam se comportar de acordo com ele. Além disso, a oscilação constante estimula o desprestígio dos precedentes junto aos juízos inferiores, que se sentem mais confortáveis em não observar a jurisprudência atual, apostando na perspectiva de mudança. E o mesmo com as partes e advogados, que têm forte estímulo para nunca se conformarem com decisões desfavoráveis, ainda que apoiadas na jurisprudência atual”, avalia.
Tal atitude do Supremo é ainda mais preocupante devido à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que confere força vinculante aos precedentes da corte e do Superior Tribunal de Justiça, afirma a constitucionalista Damares Medina, sócia do Damares Medina Advocacia. Segundo ela, o tribunal “parece julgar sempre pela exceção, não pela regra”, e não deixa claro quais critérios usa para desviar-se do padrão.
Rodrigo Mudrovitsch, sócio do Mudrovitsch Advogados, tem visão semelhante, e ressalta que a ausência de critérios objetivos para admissão de HC contra decisão monocrática não só prejudica a segurança jurídica como pode vir a ser classificada pela opinião pública como um favorecimento do acusado.
“Isso é péssimo não apenas para a imagem da Suprema Corte, como também para o próprio paciente, que passa a verificar uma contaminação pública negativa de seu remédio constitucional”, analisa.
Os três especialistas não veem problema na mudança de jurisprudência pelo STF — mesmo se ela estiver sumulada —, mas destacam que a superação de um precedente não pode ocorrer sem critérios. De acordo com eles, as alterações devem ser bem fundamentadas, e suas razões, explicadas à sociedade. E uma vez estabelecida a nova interpretação, o Supremo deve se apegar à ela, e não proferir decisões em sentido contrário. Caso contrário, “vira arbítrio e juízo de conveniência”, afirma Damares.
Limites ao HC
No entanto, os advogados ouvidos pela ConJur divergem se há ou não limites formais à impetração de HC. Damares Medina acredita que há, pois nenhuma ação ou recurso é cabível em qualquer situação. Mas ela deixa claro que o STF tem que seguir o mesmo parâmetro para decidir casos semelhantes, e não ficar se escusando em uma jurisprudência defensiva, que dá mais valor à forma do que ao mérito.
Mudrovitsch também entende que existem limites ao HC, mas elenca as hipóteses de cabimento do remédio constitucional contra decisão individual de ministro do STF. São elas: casos de prisão preventiva para fins de extradição, ações penais originárias, manifesta teratologia de decisão que puder atingir a liberdade do réu, morosidade na inclusão em pauta de feito de índole criminal e morosidade na apreciação de requerimento liminar de um caso criminal.
Já Mendonça pensa que a importância do HC faz com que não existam barreiras ao seu uso. “Não concordo [com negativa do STF de aceitar HC contra decisão de ministro] porque a Constituição não sinaliza esse recorte. Ao contrário, prevê o Habeas Corpus como garantia fundamental da liberdade, oponível contra qualquer ato do Poder Público”.
Decisão técnica
Embora Eduardo Mendonça, Damares Medina e Rodrigo Mudrovitsch tenham críticas às mudanças de entendimento do STF sobre o cabimento de HC contra decisão monocrática de membro da corte, eles deixam claro que não acreditam que Rosa Weber agiu de maneira política ao negar o remédio constitucional dos advogados de Lula para que ele pudesse assumir a Casa Civil.
Para os três, a ministra foi coerente com suas decisões em matéria penal e, especificamente, sobre essa controvérsia, uma vez que ela votou pelo não cabimento da medida nas duas ocasiões em que o Supremo analisou o tema nos últimos tempos.