Carvalho e Silva Advogados

As estatísticas estão ao lado da prisão antes do trânsito em julgado

*Texto originalmente publicado na edição deste domingo (24/4) do jornalFolha de S.Paulo

A decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 126.292, que autoriza a execução provisória da pena após o segundo julgamento do sentenciado por uma corte de apelação, completou dois meses. O caso foi objeto de interesse da imprensa e da opinião pública do país.

Intimamente ligada ao fenômeno da impunidade, a questão jurídica transcendeu para muito além dos debates acadêmicos. Assistimos a pessoas das mais diversas formações opinando conscienciosamente sobre o tema, o qual foi definitivamente arrebatado do discurso puramente jurídico.

Já tive oportunidade de escrever sobre a importância histórica da decisão. Os aspectos jurídicos da mudança de orientação do STF já foram esmiuçados por especialistas e até por leigos.

Um aspecto, contudo, restou mal esclarecido nesse debate: a importância do recurso extraordinário para o status libertatis dos réus condenados em instâncias ordinárias. Ou seja, percentualmente falando, quantos recursos julgados pelo STF alteram a condição do condenado?

Solicitei levantamento dos recursos extraordinários, em matéria penal, julgados pelo STF entre 2009, ano em que o tribunal decidiu não ser possível a execução provisória da pena, e 2016. O objetivo era saber quantos foram providos e, desses, quantos afetaram o status libertatis dos réus — vale dizer, quantos colocaram em liberdade quem estava encarcerado.

Nesses sete anos, objeto do levantamento, foram autuados 3.015 recursos extraordinários, dos quais 211 foram providos pelo STF. No entanto, apenas 41 recursos tiveram desenlace favorável aos réus e dois resultaram em libertação imediata.

Os demais trataram de progressão de regime, da possibilidade de substituição de pena ou da concessão de regime inicial de cumprimento mais brando. Portanto, mesmo entre os recursos providos, só 0,6% afetou a liberdade imediata do condenado nas instâncias ordinárias.

Houve apenas uma absolvição. Tratava-se de caso envolvendo contravenção penal julgada inconstitucional, infração que, por sua natureza, na prática, não resultaria em prisão. Mesmo nesses poucos casos, os acusados teriam obtido os mesmos resultados (de forma mais célere) em Habeas Corpus.

Muitos dirão que esses números são irrelevantes para o debate jurídico, pois, se a Constituição não permite o início de cumprimento da pena antes do trânsito em julgado definitivo, não será com o argumento estatístico que se vai alterar essa regra.

De fato, as estatísticas não mudam a Constituição. Ocorre que, como vaticinou o próprio STF, a presunção de inocência não impede o cumprimento provisório da pena. Existem prisões antes do trânsito em julgado que são constitucionais — aliás, já havia a corte afirmado isso em muitas oportunidades em relação às prisões provisórias (preventiva e temporária).

Ora, se assim o é, faz sentido voltar ao debate sobre a execução provisória da pena para falar de números? Como disse acima, a discussão sobre a decisão do STF desbordou dos limites acadêmicos e técnicos e migrou para o campo da política em seu sentido mais puro e original.

As pessoas comuns compreenderam a importância social da decisão, suas implicações práticas e, principalmente, sua relação com o estado de impunidade que impera.

Nesse campo do debate, é de todo relevante o conhecimento de números de recursos julgados favoráveis aos acusados ocorridos entre 2009 e 2016. É fato que, por um lado, a sociedade não mais suporta a impunidade; por outro, não é o seu desejo que inocentes sejam presos de forma indevida.

Ao trazer esses números à luz, a intenção é demonstrar que, dessa vez, não só o Direito como também as estatísticas estão ao lado do senso comum. Há um entendimento social de que a partir de dois julgamentos o réu já deve iniciar o cumprimento de sua pena.

O STF, por sua vez, afirmou que esse procedimento é compatível com a Constituição. Agora, os números confirmam que, racionalmente, tanto a corte suprema como a opinião pública estão absolutamente certas. O contrário é apostar na chicana, na prescrição e na impunidade. Isso, o país não aceita mais.