TST desrespeita tratados internacionais ao julgar pagamento de adicionais
O Tribunal Superior do Trabalho protagonizou recentemente um dos capítulos mais tristes de sua história ao não reconhecer valor (qualquer valor) às convenções internacionais do trabalho ratificadas e em vigor no Brasil, que têm (segundo o Supremo Tribunal Federal) prevalência sobre todas as normas infraconstitucionais brasileiras. A corte simplesmente fez tábula rasa de convenções importantíssimas e mais benéficas ao trabalhador, ao reformar o entendimento da 7ª Turma do TST que, controlando a convencionalidade da Consolidação das Leis do Trabalho, havia entendido (corretamente) pela prevalência das convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho para garantir aos empregados o direito à cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade.
Nas palavras da própria Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST: “Não obstante as Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tenham sido incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, elas não se sobrepõem à norma interna que consagra entendimento diametralmente oposto, aplicando-se tão somente às situações ainda não reguladas por lei”[1]. É autoexplicativo.
Como chegamos até aqui? No julgamento do processo RR-1072-72.2011.5.02.0384, de 24 de setembro de 2014, a 7ª Turma do TST declarou, por unanimidade, que a previsão contida no artigo 193, parágrafo 2º, da CLT (“O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”) era incompatível com a Constituição de 1988 (que garante de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação). Também foi declarada inconvencional, por violar dois tratados de direitos humanos (Convenções 148 e 155 da OIT) que admitem a hipótese de cumulação dos adicionais e estabelecem critérios e limites dos riscos profissionais em face da exposição simultânea a vários fatores nocivos. Essa decisão foi aplaudida pela melhor doutrina e aclamada também no exterior.
O ministro Cláudio Brandão, relator, havia bem compreendido a importância de se controlar a convencionalidade da CLT tendo como paradigmas as convenções da OIT citadas, pelo que julgou inconvencional (inválida) a norma doméstica menos benéfica ao trabalhador, para o fim de garantir a possibilidade de cumulação dos adicionais[2]. Veja-se o que disse o ministro Cláudio Brandão no julgamento do recurso citado, exemplo de compreensão perfeita do tema:
“A partir de então, se as Convenções mencionadas situam-se acima da legislação consolidada, as suas disposições hão de prevalecer, tal como ocorreu com a autorização da prisão civil decorrente da condição de depositário infiel, afastada do ordenamento jurídico pátrio por decisão do STF. (…) Exceção haveria se as convenções mencionadas consagrassem normas menos favoráveis ao trabalhador, o que autorizaria o seu afastamento (…). Finalmente, embora despiciendo, incumbe salientar a imposição ao Judiciário para, em sua atuação, tornar efetivas as aludidas normas, mais do que apenas reconhecer a sua existência e efetividade, diante da obrigatoriedade também a ele imposta, em face da vinculação de todo Estado brasileiro, e não apenas do Poder Executivo que a subscreveu. (…) Cabe, portanto, a este Tribunal proclamar a superação da norma interna em face de outra, de origem internacional, mas benéfica, papel, aliás, próprio do Judiciário (…)”[3].
A 7ª Turma do TST, portanto, havia demonstrado que o Tribunal estava preparado para bem aplicar as convenções internacionais da OIT, que são tratados especiais de direitos humanos e têm prevalência (inclusive reafirmada pelo STF no RE 466.343-1/SP) sobre as normas domésticas menos benéficas, como é, indubitavelmente, o caso do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT. Ocorre que, levado o tema Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST, contrariou-se todas as convenções internacionais da OIT sobre a matéria e descartou-se o princípio da primazia da norma mais favorável ao trabalhador.
Parece inacreditável que um tribunal superior consiga dizer, especialmente no momento atual de engajamento cada vez maior do país na seara internacional, que os tratados de direitos humanos (que são “tratados especiais”, para usar a expressão da Corte Interamericana) não se sobrepõem às normas internas menos benéficas, e que, ademais, uma norma internacional de proteção só se aplica em caso de inexistência de regulamentação interna sobre o assunto. Parece que a falta de conhecimento do tribunal sobre o tema e sua inventividade ultrapassaram, nesse caso, todos os limites.
Trata-se, como salta aos olhos, de exemplo a não ser seguido. Decisão dessa índole, que despreza anos de conquistas dos direitos dos trabalhadores e toda a evolução da doutrina sobre a matéria, configura verdadeira aberratio juris — desde o desconhecimento da jurisprudência do STF que aloca os tratados de direitos humanos em nível supralegal, até a desarrazoada referência de que os tratados de direitos humanos somente se aplicam “às situações ainda não reguladas por lei” — capaz de responsabilizar o Estado brasileiro na seara internacional. Que o TST possa refletir sobre essa catastrófica decisão, que além de demonstrar desconhecimento das regras mínimas de interpretação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, desprezou por completo o princípio basilar da Justiça do Trabalho daprimazia da norma mais favorável ao trabalhador.
[1] TST-E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064, SBDI-I, rel. min. Cláudio Mascarenhas Brandão, red. p/ acórdão min. João Oreste Dalazen, j. 28.04.2016 (vencidos o relator e os ministros Augusto César de Carvalho, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre Agra Belmonte).
[2] O ministro, inclusive, participou com estudo doutrinário — intitulado “A efetividade das convenções 148 e 155 da OIT e efeitos no direito interno” — de obra coletiva que coordenei com Georgenor de Sousa Franco Filho recém publicada, Direito internacional do trabalho: o estado da arte sobre a aplicação das convenções internacionais da OIT no Brasil, São Paulo: LTr, 2016, p. 127-141.
[3] TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384, Ac. 1572/2014, 7ª Turma, rel. min. Cláudio Mascarenhas Brandão, j. em 24.09.2014.