Aumentar a tributação não é a melhor opção para gerar receitas
A partir da necessidade do Estado arrecadar recursos para financiar suas atividades começa a história da tributação. É bem verdade que nos primórdios do surgimento do Estado, principalmente na época do Estado Feudal, grande parte de sua receita advinha da exploração de seus bens, correspondendo desde a cobrança de aluguel da terra, participação nas colheitas, até o comércio de metais e minerais, o que a doutrina moderna classifica como receita originária.
Embora haja registro de cobranças de tributos aduaneiros e sobre a venda de produtos já na Roma antiga, esses não eram ainda a base maior da receita do Estado. Até porque, de início a tributação oriunda do Poder Impositivo do Estado, conhecido como receita derivada, era exercida preferencialmente sobre os povos conquistados, conforme leciona Ives Gandra da Silva Martins “Os egípcios, assírios, fenícios, dentre outros povos da Antiguidade, já usavam o tributo como instrumento de servidão, através da sua imposição sobre os povos conquistados”[1]. A mesma conduta também acontecia na Grécia e Roma antiga onde “o tributo era uma imposição dos vencedores sobre os vencidos. As guerras de conquistas visavam a arrecadar, para a nação vencedora, recursos que eram retirados dos vencidos”[2].
Essa sistemática ajudava a pacificar o povo do Estado conquistador, já que sempre haveria alguém para pagar a conta das necessidades gerais, principalmente do numeroso exército. Porém, esse modelo não perdurou eternamente, chegando ao seu esgotamento com o fim do Império Romano.
O surgimento do Estado Absolutista, representado pelas Monarquias Europeias, impõe maiores gastos com a realeza e sua corte, passando a exigir cada vez mais esforços da sociedade, que agora arcavam compulsoriamente e diretamente com tributos para sustentação do regime. Em pouco tempo a situação se tornou insustentável, na Inglaterra, quando o Rei João Sem Terra começa a aumentar a tributação sem antes comunicar aos senhores Feudais (Barões Ingleses), simultaneamente a um processo de perda de terras anteriormente conquistadas (notadamente o norte da França), instaura-se uma rebelião comandada por aqueles. Eles invadem Londres e forçam o Rei a assinar a Magna Carta (1215), um documento precursor das Constituições contemporâneas, que determina limitações às arbitrariedades da Monarquia, trazendo conceitos importantes de defesa dos direitos individuais em detrimento do Poder Estatal. Entre suas disposições exigem que os novos tributos sejam antes aprovados por um Conselho de Barões.
Entretanto, esse não é o único exemplo da história em que uma Revolução se inicia por causa da tributação. A Revolução Francesa (1789) começou (é óbvio que houve influência de outros fatores, mas esse foi o fato político determinante) após o Rei Luis XVI tentar cobrar tributo da Igreja e da Nobreza, que se recusaram a aceitar, provocando uma cobrança maior sobre os burgueses, o que fez eclodir o movimento capitaneado por esses últimos.
Na história do Brasil, de igual modo, há registros de Revoluções que eclodiram em virtude do abuso do Poder de Tributar, entre elas a Inconfidência Mineira (1789), que defendia a separação da Coroa Portuguesa, tendo em vista o aumento exorbitante da derrama pela Metrópole.
A história comprova que a tributação demanda limitações, sob pena de se tornar injustificável e gerar um processo de revolta dos cidadãos, cujo ideal foi incorporado com o advento do Estado Fiscal, onde a tributação assume uma nova roupagem. De outro giro, segundo Hugo de Brito Machado, sem ela não restaria outra saída que não fosse a estatização da economia, o que seria muito prejudicial para o desenvolvimento econômico[3]:
“A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica. O tributo é inegavelmente a grande e talvez única arma contra a estatização.”
Considerando as atribuições inerentes ao Estado, precipuamente as atividades destinadas a satisfazer o interesse coletivo, constata-se que não basta haver recursos para execução das suas competências. É fundamental legitimar a atividade Fiscal do Estado, afinal ele se destina a atender o bem comum e preservar a paz, as quais são necessidades públicas, devendo seus gastos serem suportados por todos[4]:
“Mas há certas necessidades humanas que, em geral, não podem ser satisfeitas cabalmente pelo esforço do indivíduo. A necessidade de segurança contra o inimigo externo ou contra os malfeitores internos exige uma ação coletiva e disciplinar, assim como a de fazer justiça, fabricar dinheiro, combater as endemias, rasgar estradas, iluminar as ruas, realizar obras de interesse do grupo social, etc. O emprego dos meios coativos é essencial para reduzir ou combater os recalcitrantes, quer quanto à obtenção de atos anti-sociais, quer quanto às prestações positivas ou sacrifícios no interesse de todos.”
Inobstante ao disposto, essas necessidades públicas parecem ser inesgotáveis, razão pela qual é fundamental haver um equilíbrio entre as vontades, captação de recursos e a sua destinação, o que exige uma boa gestão para tanto.
O resultado dessa soma de interesses contribuiu para que a atividade financeira do Estado moderno estivesse atrelada à necessidade de captar, gerir e executar os recursos públicos, objetivando concretizar os interesses da sociedade. Na efetivação dessa atribuição há que se constituir um Sistema Tributário, o qual disciplinará as competências tributárias, os princípios específicos da Ordem Tributária, as limitações ao Poder de Tributar e as garantias do contribuinte, para assim viabilizar a tributação.
A arrecadação de recursos por parte do Estado não se esgota em si, sendo um instrumento para a concretização de suas finalidades. Ao mesmo tempo, a tarefa de arrecadação não é sempre bem vista pela sociedade, pois os indivíduos preocupam-se primeiramente com a riqueza própria, patrimonialismo, para somente depois contribuírem para a construção do interesse coletivo, almejando uma sociedade mais justa.
Natural, então, que o cidadão exija que sua contribuição resulte em melhorias sociais, fazendo relação direta entre seu pagamento e a contraprestação de serviços ofertada pelo Estado. Muito embora essa lógica não possa ser transposta para as necessidades de um Sistema Tributário justo, o qual deve ter como parâmetro a solidariedade e a capacidade contributiva do cidadão.
Assim, em momentos turbulentos como esse, em que a população está nas ruas exigindo mudanças, qualquer aumento da tributação, como o debate sobre a volta da CPMF, poderia acentuar os enfrentamentos, até porque os impostos elevados são citados em pesquisa da CNI em parceria com o IBOPE como o 7° pior problema hoje existente no Brasil e a redução dos impostos é a 8ª prioridade elencada.[5] Portanto, se o Governo quiser obter mais recursos para fazer frente à suas despesas é necessário um grande programa de combate à sonegação, onde estudos do Sinprofaz calculam que perdemos 10,1% do PIB anualmente com a sonegação, o que corresponderia a R$ 518,2 bilhões levando em conta o PIB de 2014.[6]
1 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). O Tributo Reflexão Multidisciplinar sobre a sua Natureza. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 131.
2 NICACIO, Antônio. Primórdios do Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: LTr, 1999, p. 95.
3 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 56.
4 BALEEIRO. Aliomar. Cinco Aulas de Finanças e Política Fiscal. 2. ed. São Paulo: Ver, 1975, p. 23-24.
5 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). Retratos da Sociedade Brasileira. Problemas e prioridades. Ano 5. Número 22. Janeiro de 2015.
6 SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (SINPROFAZ). Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014. Disponível em: <http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/sonegacao-no-brasil%E2%80%93uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao-do-exercicio-de-2014> Acesso em: 08/06/2015.