Tributaristas elogiam esclarecimentos da Receita sobre Lei de Regularização
A Receita Federal divulgou na semana passada três novos esclarecimentos sobre a Lei de Regularização (Rerct). O posicionamento veio por meio de ferramenta na qual, ao longo do ano, a instituição reúne dúvidas frequentes da população e, então, elabora respostas. Para o advogado Hermano Barbosa, sócio da área tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão, as três novas respostas não são tão “polêmicas” quanto as anteriores, e algumas foram bem-vindas aos contribuintes.
“Contudo, preocupa o fato de que a RFB siga se manifestando sobre temas que não são de sua competência legal [como questões criminais e relativas a obrigações administrativas junto ao Bacen]. Manifestações que extrapolam a competência da RFB, além de inválidas do ponto de vista legal, podem ser fonte de insegurança para os contribuintes, sobretudo quanto essa prática é reiterada”, afirma Barbosa.
O tributarista e outros advogados apresentaram à revista eletrônica Consultor Jurídico suas análises sobre os novos esclarecimentos. Veja abaixo as dúvidas recebidas pela Receita, a posição da entidade e os comentários dos especialistas:
No caso de bens adquiridos no exterior na condição de não residente, o contribuinte deverá aderir ao RERCT ou poderá retificar as últimas cinco declarações incluindo os bens e respectivos rendimentos?
Receita Federal — Como regra, o contribuinte que adquiriu bens no passado na condição de não residente pode regularizar esses bens declarando-os à RFB por meio da Declaração de Ajuste Anual (DAA) a partir da época que se tornar residente no país, se não estiver sob procedimento de ofício. Ressalte-se que esse contribuinte deve ter oferecido à tributação (aqui e/ou no exterior, conforme o caso), na época própria, os recursos para a aquisição dos referidos bens, bem como manter em boa ordem e guarda toda a documentação hábil e idônea que comprovem essas operações. Caso o contribuinte não consiga comprovar que o bem foi adquirido na condição de não residente, ele poderá aderir ao RERCT se não estiver impedido de fazê-lo (artigos 1º, caput e parágrafos 1º e 3º; 2º da Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016 e artigos 1º; 2º; 4º da IN RFB 1.627, de 11 de março de 2016).
Comentários
Hermano Barbosa — Foi bem-vindo o esclarecimento da RFB. Ressalte-se, porém, que ela não trata de como fica a questão criminal — evasão de divisas pela não declaração desses mesmos bens anualmente ao Banco Central. Aliás, nem seria competência da RFB se manifestar sobre isso. Ou seja, o contribuinte nessas condições deve se preocupar quanto a esse ponto.
Osmar Marsilli Junior (sócio do PLKC Advogados) — Essa trata da possibilidade de retificar-se as declarações de IR e capitais do exterior para reconhecer bens adquiridos no período de não residência, o que se manifesta como possível. Contudo, essa nunca foi a dúvida e, sim, se em o fazendo, o crime de evasão de divisas (ainda que na modalidade manutenção de recursos) é afastado, o que não se manifesta. Ou seja, esclarece o que não se tinha dúvidas.
Karem Jureidini Dias e Raphael Assef Lavez (Rivitti e Dias Advogados) —Essa resposta reconhece a desnecessidade — ao menos para fins tributários — da adesão ao RERCT quanto a bens adquiridos na condição de não residente no Brasil. Justamente porque adquiridos quando não havia residência fiscal aqui, a origem de recursos para tal aquisição tende a não configurar fato gerador tributável no Brasil, de modo que a mera retificação das declarações anteriores deveria ser suficiente para a regularização fiscal dos bens — como reconhece a Receita Federal. Esse entendimento é acertado, pois reconhece a desnecessidade de que se recolha imposto quanto a fatos que sequer seriam tributáveis no Brasil conforme as regras gerais do IR, o que permitiria estendê-lo, inclusive, às heranças ou doações recebidas no exterior, já que igualmente não configuram fato gerador do IR no país.
Douglas Guidini Odorizzi (Dias de Souza Advogados Associados) — Embora criticável orientação de que, para proceder com as retificações, seja imprescindível demonstrar a tributação dos ativos no exterior, o grande ponto que o questionamento não esclarece é a respeito das consequências na esfera criminal das retificações descritas. Isto é, em sendo os ativos reportados por meio de retificadoras das DIRPFs, os crimes de evasão de divisas e conexos estariam anistiados? O questionamento se põe na medida em que há jurisprudência no sentido de que a mera ausência de reporte dos ativos às autoridades é suficiente para configurar crime de evasão de divisas. A explicação para a ausência de esclarecimento do ponto criminal possivelmente seja a falta de competência legal do Fisco para tratar da matéria. Tanto a suspeita é verdadeira que a questão trata apenas da DIPRF, não indicando a mesma conduta quanto à DCBE. Portanto, mesmo com a indicação do que fazer para fins fiscais, a ausência de explicação das consequências criminais na situação descrita faz com que o particular que nela se encontra ainda continue inseguro sobre qual comportamento adotar.
Estará o contribuinte dispensado do pagamento de multas pela não apresentação ou pela apresentação em atraso da DAA e da CBE, tendo em vista o inciso II do artigo 13 da IN 1.627, de 2016?
Receita Federal — Entende-se que, caso tenha optado pelo RERCT, estará dispensado do pagamento da multa por atraso na entrega da DAA referente ao ano-calendário de 2014, uma vez que se trata de obrigação tributária acessória diretamente relacionada aos bens e direitos objeto do RERCT e, portanto, abarcada pelo disposto no inciso II do artigo 13 da IN RFB nº 1.627, de 2016. Também não há que se falar em multa da CBE do Banco Central, pois nesse caso a legislação expressamente dispõe pelo afastamento dessa multa (artigos 6º, parágrafo 4º da Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016 e artigos 13 da IN RFB 1.627, de 11 de março de 2016).
Comentários
Hermano Barbosa — Essa foi mais uma boa resposta. Não acho que a regulamentação é tão explícita quanto a dispensa da multa da declaração do Bacen, mas nossa opinião é que ela fica dispensada (ou seja, não há multa). Em todo caso, o reconhecimento dessa “dispensa” de multa da CBE escapa à competência da RFB.
Douglas Guidini Odorizzi — Esta tem a ver com o reconhecimento expresso de que, com a adesão ao RERCT, não só os tributos e os consectários legais a eles relacionados estarão dispensados, como também as multas por descumprimento de obrigações acessórias em decorrência da ausência de declaração (DIRPF e DCBE) ou entrega com omissão de informações. Embora essa fosse a nossa leitura da lei, na medida em que a remissão dos créditos tributários implica tornar prejudicadas as penalidades relativas às obrigações acessórias respectivas, a sua confirmação é salutar, pois nem todos compartilhavam da mesma opinião.
Igor Mauler Santiago (Sacha Calmon -Misabel Derzi Consultores e Advogados) — Quanto à DAA 2014/2015, a interpretação chega a ser generosa para com o contribuinte, pois afasta a multa mesmo quando — além dos bens objeto do RERCT — a declaração devesse contemplar os bens e rendimentos brasileiros do contribuinte, que não são afetados pela regularização.
Incide IRPF sobre a variação cambial dos valores depositados em instituições financeiras no exterior verificada de 31 de dezembro de 2014 até a data da repatriação?
Receita Federal – A tributação ou não pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre a variação cambial dos depósitos mantidos em instituições financeiras no exterior dependerá se esses depósitos forem ou não remunerados. Se o depósito mantido no exterior, origem dos recursos que serão repatriados, não for remunerado, há a isenção do IR sobre a variação cambial, conforme o disposto no parágrafo 4º do artigo 25 da Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995. Se o depósito for remunerado haverá a tributação pelo IRPF no momento da liquidação ou resgate, conforme determina o artigo 24 da Medida Provisória 2158-35, de 24 de agosto de 2001 (IN SRF 118, de 28 de dezembro de 2000). Ressalta-se, porém, que não haverá a incidência do IR sobre as variações cambiais no caso de os depósitos remunerados terem sido realizados em moeda estrangeira e com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira (Artigos 14, inciso II, c/c os artigos 4º e 5º da IN SRF 118, de 2000).
Comentários
Hermano Barbosa — Nos casos em que há tributação, a base de cálculo será a diferença entre o valor do bem na regularização (31 de dezembro de 2014), que tomou por base uma taxa de câmbio de R$ 2,66, e o valor do mesmo bem na data da repatriação, considerando a taxa de câmbio aplicável na altura. Uma exceção reconhecida pela própria RFB, prevista na legislação anterior à lei de regularização, são depósitos no exterior em conta não remunerada. Importante ressaltar ainda que, a partir de janeiro de 2017, aumentarão as alíquotas gerais do imposto de renda sobre ganhos de capital, que se aplicam a essa variação cambial. Ganhos superiores a R$ 5 milhões passaram a estar sujeitos a alíquotas mais elevadas de até 22,5%.
Douglas Guidini Odorizzi — Significa dizer, em termos simples: tratando-se de depósitos não remunerados, a variação cambial será isenta do imposto. Já no caso de depósitos remunerados, caberá a tributação, sendo ela aplicável quando da liquidação ou resgate. Excetuam-se desse tratamento as aplicações feitas em moeda estrangeira e com rendimentos auferidos nessa mesma moeda, os quais não são onerados pelo IRPF como ganho de capital. A discussão, nesse aspecto, deverá se por naqueles casos em que o declarante não tem meios de demonstrar que os recursos têm origem acréscimos obtidos no exterior. Nesse caso, a Receita Federal deverá considerá-los como auferidos originariamente em Reais e concluir pela procedência do IRPF sobre a variação cambial.
Osmar Marsilli Junior — A resposta se alinha ao entendimento majoritário dos tributaristas, qual seja, a tributação se dará sempre pelo regime de caixa e observará a regra já estabelecida sobre o assunto, tanto quanto à isenção no caso de manutenção de valores em conta de deposito sem remuneração, quanto à não tributação pelo IR no caso de recursos oriundos de rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira. Ou seja, somente será tributado pelo IR como ganho de capital a variação cambial no efetivo resgate e de recursos considerados oriundos originalmente em reais.