Teletrabalho carece de legislação para garantir o direito à desconexão
O rápido avanço da tecnologia tem permitido e ampliado o trabalho fora do estabelecimento do empregador, em razão da possibilidade de se manter contato por meio de recursos eletrônicos e da informática, com ênfase nos recentes instrumentos de comunicação decorrentes do computador, da telefonia e da internet.
Discute-se, desse modo, o direito à desconexão, tendo em vista a necessidade de preservar os direitos fundamentais ao lazer, ao repouso e à limitação da jornada de trabalho (artigos 6º e 7º, incisos XIII e XV, da Constituição da República), como forma de assegurar o convívio familiar e social dos empregados.
Nesse contexto, o teletrabalho pode ser entendido como relevante modalidade de trabalho a distância, típica dos tempos pós-modernos[1].
O Código do Trabalho de Portugal, de 2009, no artigo 165º, dispõe que teletrabalho é “a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.
O teletrabalho, além de ser feito preponderantemente fora do estabelecimento do empregador, implica a utilização das tecnologias e recursos eletrônicos.
O artigo 83 da Consolidação das Leis do Trabalho define o trabalho em domicílio como “o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere”.
Como se nota, há certa semelhança entre o teletrabalho e o trabalho em domicílio, pois ambos são a distância.
Não obstante, especificamente quanto ao teletrabalho, o labor é feito com a utilização de meios tecnológicos e eletrônicos.
O artigo 6º da CLT, com redação dada pela Lei 12.551/2011, dispõe que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.
Logo, há o expresso reconhecimento de que o teletrabalho, quando presentes os requisitos da relação de emprego (artigos 2º e 3º da CLT), não se diferencia das modalidades tradicionais de vínculo empregatício.
No caso do teletrabalho, em razão das peculiaridades quanto à forma da prestação do serviço e do exercício do poder de direção, a subordinação jurídica pode ser decorrente de meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, os quais são equiparados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio (artigo 6º, parágrafo único, da CLT).
O poder de controle do empregador, assim, pode ser exercido por meio de recursos da telefonia e da informática, em especial com a utilização da internet.
Como consequência da possível existência de maior liberdade ou flexibilidade quanto ao horário de trabalho, podem surgir dificuldades quanto à demonstração do direito à remuneração das horas extras, bem como discussões quanto à incidência da exceção prevista no artigo 62, inciso I, da CLT, relativo à atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.
No entanto, se o empregado estiver em conexão permanente com a empresa, com a presença de controle do tempo de labor e da atividade desempenhada, as regras sobre a duração do trabalho devem ser aplicadas.
Portanto, discute-se se o período em que o empregado está sujeito ao comando, ao controle e à supervisão do empregador, por meios telemáticos ou informatizados, portando dispositivos móveis da empresa (como telefone celular), deve ser remunerado como horas de sobreaviso (se o trabalhador ficar em casa aguardando ser chamado), ou mesmo como horas extras (se o trabalhador estiver laborando a distância, com a utilização dos recursos tecnológicos mencionados).
Ao versar sobre os empregados das estradas de ferro, o artigo 244, parágrafo 2º, da CLT, dispõe que as horas de sobreaviso devem ser contadas à razão de 1/3 do salário normal.
Desse modo, a respeito da aplicação analógica do mencionado artigo 244, parágrafo 2º da CLT, segundo a Súmula 428, inciso I, do TST, o “uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso”.
Diversamente, como esclarece a Súmula 428, inciso II, do TST, “considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso”.
Em verdade, a súmula em questão não trata, de forma específica, do teletrabalho, mas do empregado que, após o trabalho, ao retornar para sua residência, utiliza aparelhos eletrônicos de comunicação fornecidos pelo empregador.
A rigor, uma vez presente o vínculo de emprego, a forma diferenciada de exercício do labor, como ocorre no teletrabalho, não afasta a incidência dos direitos trabalhistas.
Nesse sentido, tendo em vista a possibilidade de aplicação subsidiária do Direito Comparado, prevista no artigo 8º da CLT, cabe salientar que, em Portugal, o Código do Trabalho de 2009, no artigo 169º, 1, dispõe que o “trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”.
Concluindo, no Brasil, apesar da previsão sobre o trabalho a distância, inclusive na modalidade do teletrabalho, ainda não há uma disciplina legal completa sobre todas suas as peculiaridades, bem como os direitos e deveres específicos incidentes, tornando necessária a aplicação das normas gerais que regem a relação de emprego, devidamente harmonizadas a esse modo diferenciado de prestação de serviço.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Estudos de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 37-54.