Uso ponderado de decisões monocráticas racionaliza o agravo interno
Para aqueles que atuam no contencioso judicial tributário, um dos primeiros reflexos sentidos com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil foi a mudança trazida pela legislação processual na sistemática de cabimento e processamento do agravo interno.
Esse recurso, anteriormente intitulado como agravo legal, é manejado contra decisão monocrática de relator em processo que tramite perante os tribunais, com o objetivo de levar a solução da controvérsia ao órgão colegiado, conforme estabelece o artigo 1.021 do CPC/2015.[1]
Até então, o CPC/73, em seu artigo 557, dava amplo poder ao relator para negar seguimento a recurso que se apresentasse manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou STJ.
Dada a amplitude desse dispositivo, a prolação de decisões monocráticas acabou virando regra, o que ensejava a “automática” oposição do agravo legal, recurso que, ao final, repetia as razões já expostas na peça recursal originária, levando à prolação de um acórdão que, no mais das vezes, transformava a decisão monocrática em colegiada, sem profunda alteração nos seus fundamentos. Só a partir de então o processo poderia seguir seu curso, com a submissão da controvérsia aos tribunais superiores, por meio dos recursos próprios. Em suma: estabeleceu-se uma prática de evidente desprestígio à efetividade e à celeridade processual.
Em matéria tributária, a situação era recorrente, até mesmo em hipóteses em que o posicionamento nos tribunais sequer encontrasse pacificidade. Tome-se, como exemplo, os inúmeros processos envolvendo a discussão da inclusão ou não do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, matéria ainda sob julgamento pela sistemática da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal e que foi objeto de muitas decisões monocráticas no Tribunal Regional Federal da 3ªRegião.[2]
O CPC/2015 estatui regras com objetivo de modificar essa realidade até como forma de colocar em prática algumas de suas principais diretrizes, como, por exemplo, a reafirmação do princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no artigo 4º nos seguintes termos: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Parece-nos que bem andou a nova legislação — com o fim de atingir seus objetivos —, ao restringir a possibilidade de julgamento monocrático e, ao mesmo tempo, introduzir regras que limitam, ainda que indiretamente, a oposição do agravo interno.
Na verdade, o CPC/2015 apenas reafirma, com essas providências, o papel das decisões monocráticas nos tribunais: ao contrário do que parecia ser, devem ser exceção. Restringem-se, assim, os julgamentos monocráticos ao que prescreve o CPC/2015, em seu artigo 932, inciso IV,[3] preceito que autoriza o relator a negar provimento a recurso apenas nos casos em que contrário a súmula, julgados em sede de recursos repetitivos ou entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
O que baliza a solução da lide por meio de decisão monocrática é a uniformidade jurisprudencial, seguindo a linha de sobrevalorização dos precedentes, característica tão presente na nova legislação. Ressaltamos: não é, porém, qualquer posicionamento que pareça unânime nos tribunais que justifica o julgamento monocrático, mas sim aqueles que se submeteram a algum mecanismo de padronização de jurisprudência (repita-se: recursos repetitivos, súmulas, incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência).
Por outro lado, e seguindo uma lógica que deve ser festejada, há também restrição à oposição do agravo interno contra decisão monocrática. Há, nesse sentido, expressa previsão de imposição de multa ao agravo interno declarado manifestamente inadmissível ou julgado improcedente em decisão unânime, conforme dispõe o artigo 1.021, § 4º.[4] Condiciona-se, por outro lado, o depósito prévio do valor da multa como requisito para a interposição de qualquer outro recurso, com exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que o farão ao final.
Desta feita, se a decisão monocrática prestigia o precedente, o agravo interno deve ser oposto apenas e tão somente se há efetiva aplicação equivocada da tese jurídica ao caso concreto. E, nesse caso, deve o julgador debruçar-se sobre o discrimen apontado, sendo vedado limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada. (§ 3º do artigo 1.021).
Certamente, os litigantes, diante da possibilidade latente de arbitramento de multa, irão sopesar o cabimento do agravo interno, que deixará de ser “automático”, característica que insistia em acompanha-lo até então — obviamente se entendermos que a lógica da nova legislação será respeitada, com a restrição das decisões monocráticas. E isso tudo, em matéria tributária, é ainda mais presente, já que os valores discutidos nesse âmbito costumam assumir cifras bastante relevantes.
Por outro lado, prestigiando outra de suas diretrizes fundamentais, o CPC/2015 insere nesse contexto a figura do contraditório. O § 2º do artigo 1.021[5] prevê a obrigatoriedade de intimação do agravado para se manifestar em quinze dias acerca do agravo interno oposto.
Esse contraditório compulsório é facilmente entendido: a premissa de que se parte, nesses casos, é de uma decisão monocrática, inexistindo, por conseguinte, julgamento pelo colegiado. Natural supor, portanto, que, transferido exame do caso a esse órgão, o efeito infringente do recurso é potencial, afigurando-se perfeitamente presumível, tudo de modo a impor a oitiva da parte contrária.
Essa é uma considerável inovação introduzida pelo CPC/2015: o sistema até então vigente não a contemplava, a não ser que o próprio relator o fizesse por entender indispensável o contraditório — o que não configurava prática habitual.
Não se nega que, num primeiro olhar, isso parece dilatar o tempo de duração do processo, à medida que se passa a exigir um ato processual até então inexistente e que obviamente consome tempo, ainda mais quando constatamos que agora os prazos são contados em dias úteis e em dobro, relativamente a qualquer manifestação da Fazenda Pública.
Nesse particular, porém, há que se considerar o CPC/2015 em termos mais amplos: ao mesmo tempo em que estendeu o contraditório quando da oposição do agravo legal, prestigiando a oitiva das partes, o novo diploma restringiu, lembre-se, o julgamento monocrático. Em outras palavras: ainda que haja a obrigatoriedade desse novo ato, expressivo do contraditório, há de haver uma diminuição na quantidade de decisões monocráticas.
Melhor delimitados o cabimento e o procedimento do agravo interno, o que se conclui, então, é que a nova legislação segue uma linha de coerência que deve ser aplaudida, à medida que consegue conjugar valores aparentemente dissociados — efetividade e celeridade, contraditório e duração razoável.
[1]Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno pakra o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
[2]Neste sentido, decisões proferidas nos processos nºs 0026620-39.2014.4.03.0000, 0001354-83.2014.4.03.6100 e 0004695-39.2014.4.03.6126/ TRF-3ª Região.
[3]Art. 932. Incumbe ao relator:
IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
[4] § 4o: Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.
[5]§ 2o O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta.