Carvalho e Silva Advogados

A aplicação da lei vigente como obrigação funcional do juiz

Por Pedro Paulo Teixeira Manus

Diz o artigo 140 do Código de Processo Civil que o juiz não pode se eximir de julgar o conflito, ainda que não exista lei expressa prevendo aquela hipótese verificada nos autos, alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Para tanto deverá valer-se da jurisprudência, da doutrina estrangeira, dos usos e costumes, mas não lhe é dado deixar de arbitrar o conflito.

De igual modo e com mais razão, não pode o magistrado deixar de aplicar a lei quando a situação de fato é clara a demonstrar a ocorrência da hipótese prevista pelo legislador.

Poderá, sim, o juiz deixar de aplicar a lei vigente caso conclua que a situação fática não retrata a previsão legal. Do mesmo modo poderá deixar de aplicar a lei, declarando-a inconstitucional, decidindo o conflito de forma mais adequada à sociedade. Nos demais casos está o juiz obrigado a aplicar a lei e não está na dependência  da arguição pelas partes do dispositivo legal.

É sempre oportuno o brocardo jurídico que afirma “dá-me os fatos que eu te darei o direito” sob a ótica do magistrado. Mesmo no processo civil, que as partes devem fundamentar juridicamente seus pleitos, ao juiz incumbe a aplicação da lei, ainda que silentes os litigantes sobre seu conteúdo.

Com mais razão no processo do trabalho, já que não há exigência de apontar fundamentos legais ou jurídicos, bastando que a petição inicial traga “uma breve exposição dos fatos de que resulta o dissídio”, conforme o artigo 840, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, para que o juiz tenha o encargo de arbitrar o conflito. O mesmo se diga em relação à reclamada, já que a Consolidação não dispõe sobre o conteúdo da defesa, daí porque igual critério aqui deve ser aplicado.

Tanto assim é que o artigo 966 do CPC, ao cuidar da ação rescisória, afirma em seu inciso V que cabe a ação rescisória quando o juiz violar manifestamente norma jurídica.

E o professor Sergio Rizzi afirma que se considera violação da lei “negar a aplicação de uma lei vigente”. Com base em seu magistério, assim decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, com sede em Salvador, (processo AR 6960075200520055050000, publicado em 06/04/06)

“AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO-CONFIGURAÇÃO. A violação direta e frontal à disposição de lei, na precisa lição de Sérgio Rizzi, se verifica quando a decisão:”a) nega validade a uma lei válida; b) dá validade a uma lei que não vale; c) nega vigência a uma lei que ainda vigora; d) admite a vigência de uma lei que ainda não vigora ou já não vigora; e) nega aplicação a uma lei reguladora da espécie; f) aplica uma lei não reguladora da espécie; g) interpreta erroneamente a lei, ferindo-lhe o sentido literal.” (Rizzi, Sérgio, Ação Rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, pág. 109)” (grifei) .

O novo Código de Processo Civil modificou para melhor a redação do inciso V do artigo 485, ao consignar que é hipótese de cabimento da ação rescisória a decisão violar a norma jurídica, expressão de maior abrangência que a antiga expressão “violação literal de lei”, pois o ordenamento jurídico é mais amplo do que a simples norma positiva.

Deste modo, uma vez comprovada a situação de fato nos autos e havendo lei que cuide desta mesma situação fática, não pode o juiz deixar de aplicá-la sob o argumento de que o litigante deixou de requerer sua aplicação, pois seu dever de aplicar a lei não está condicionado à provocação das partes.

A parte deve trazer o tema ao debate, como por exemplo, a jornada de trabalho e eventuais horas extraordinárias. Havendo negativa de sua prestação pela reclamada, deverá o juízo examinar as provas produzidas e decidir de acordo com a norma geral aplicável (Consolidação das Leis do Trabalho), bem como está obrigado a examinar o tema sob a ótica de lei especial que fixe jornada diversa, como no caso de médicos, paramédicos, advogado, dentre outras categorias.

Não se justifica o juiz deixar de aplicar a lei geral ou especial sob o argumento de que a parte não invocou a norma específica, pois a atribuição do litigante é trazer o tema a debate, sendo obrigação do juiz  aplicar a lei.