Pobreza de infrator faz Justiça Federal relevar multa por desacato
A autoridade fazendária tem poder para não cobrar por uma infração fiscal com base nas características pessoais do infrator — desde que isso não resulte em falta ou insuficiência de recolhimento de tributos federais, como prevê o Regulamento Aduaneiro (Lei 6.759/2009), no seu artigo 736, inciso II. Por isso, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região mantevesentença que anulou multa de R$ 10 mil aplicada a um homem por ‘‘desacato à autoridade aduaneira’’. A infração vem tipificada no artigo 728, inciso III, do referido Regulamento.
O autor foi o único passageiro a ser revistado quando o ônibus em que viajava — de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, para Porto Alegre — acabou parado numa blitz da Receita Federal no início de agosto de 2013. Sentindo-se incomodado por ser o único abordado, pediu explicações. Mas não o fez com bons modos, segundo o processo, pois não só resistiu à inspeção de sua bagagem como, aos gritos, desacatou e denegriu a imagem dos agentes fazendários. Segundo o processo, ele utilizou expressões como ‘‘vocês não têm culhão para prender ladrão e ir atrás de bandido’’, que ‘‘são todos cachorros’’, que são ‘‘sem-vergonhas’’ que estavam atrapalhando a sua viagem.
Os fiscais, então, chamaram a Brigada Militar, que conduziram o autor a uma delegacia de Santana do Livramento. Lá, além da lavratura de termo circunstanciado, o Fisco federal lhe aplicou uma multa no valor de R$ 10 mil, por ‘‘desacato à autoridade aduaneira’’. Para derrubar o auto de infração que gerou a multa, o autor foi à Justiça.
No primeiro grau, a juíza Thaís Della Giustina Kliemann, da 3ª Vara Federal de Porto Alegre, considerou ‘‘censurável’’ a conduta do autor com os fiscais, mas entendeu que a penalidade foi excessiva. ‘‘O comportamento pouco cordial do demandante, que claramente ofereceu resistência à fiscalização empreendida pelos auditores, deriva nitidamente do infortúnio consistente no óbito de sua avó e da forma como, ao que tudo indica, foi abordado pelos agentes que realizavam a fiscalização’’, ponderou na sentença. É que um dos agentes, segundo testemunha, teria sido ‘‘grosseiro’’ quando da abordagem.
‘‘Logo, por não se vislumbrar de forma segura que o autor, de fato, desacatou o auditor fiscal, para inclusive distinguir a conduta em apreço da de resistência, infração aduaneira prevista no inciso posterior (IV, ‘c) (tipicidade da conduta), impende julgar procedente a ação para tornar insubsistente o auto de infração em comento e a multa decorrente’’, escreveu na sentença.
Em grau recursal, o relator do caso na corte, desembargador federal Rômulo Pizzolatti, entendeu que houve, sim, desacato à autoridade. Afinal, a exemplo do relato dos fiscais da Receita Federal, uma das testemunhas que estava no ônibus confirmou os insultos proferidos pelo autor. Embora configurada a prática de desacato, Pizzolatti disse que a penalidade deve ser relevada, como possibilita o artigo 736, inciso II, da legislação aduaneira.
‘‘Com efeito, a documentação trazida aos autos demonstra que o autor é pessoa humilde, de baixa renda, o qual percebia, como balconista, cerca de R$ 650,00, à época do ajuizamento da demanda, no ano de 2013. É evidente que o pagamento da multa de elevado valor (R$ 10.000,00) comprometeria o sustento do autor, pelo que a penalidade mostra-se desarrazoada, devendo ser afastada. Impõe-se, pois, decretar a nulidade do Auto de Infração’’, anotou no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 18 de outubro.
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