Carvalho e Silva Advogados

Projeto libera licitação sem certidão fiscal (Valor Econômico)

Mais modesta que a maioria das propostas de reforma de códigos já implantadas no país, o Projeto de Lei (PL) nº 406 pretende com mudanças em 12 artigos do Código Tributário Nacional (CTN) sanar problemas frequentes enfrentados pelas empresas brasileiras na área fiscal. Questões como a liberação da Certidão Negativa de Débito (CND) para a participação em licitações, pagamento de tributos com precatórios (próprios ou não) e a penhora de bens de terceiros estão contempladas na proposta.

O projeto foi elaborado pela Comissão de Juristas para Desburocratização instalada pelo Senado em 2015 e em trâmite desde dezembro na Casa. Um dos integrantes da comissão, o presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, Ives Gandra Martins, afirma que o objetivo da proposta é resgatar o equilíbrio na relação entre contribuinte e Fisco.

Um dos artigos, por exemplo, busca pôr fim a uma antiga reclamação de sócios e administradores de empresas sobre a possibilidade de penhora do patrimônio particular para pagar débitos tributários da companhia. O dispositivo cria a obrigatoriedade de defesa prévia para terceiros, antes da inscrição em dívida ativa – o que hoje não existe.

Segundo o tributarista Yun ki Lee, sócio do Lee, Brock, Camargo Advogados, muitas vezes esses terceiros não sabem da existência da cobrança e quando descobrem e vão apresentar defesa, o prazo já se esgotou. De acordo com ele, há casos em que o administrador só vai descobrir que está sendo cobrado quando sua conta bancária ou algum outro bem já está bloqueado.

O professor de direito da USP e integrante da comissão, Heleno Torres, lembra que nesse contexto muitas pessoas são inscritas na dívida ativa quando já não faziam mais parte da sociedade.

Outra mudança bem-vista por tributaristas, mas com críticas em relação à sua viabilidade, é a que autoriza o contribuinte a quitar débitos com precatórios próprios ou de terceiros.

Algumas emendas constitucionais (nº 30, de 2000, e nº 62, de 2009) autorizam a compensação. Mas segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon Mizabel Derzi Consultores e Advogados, tratam-se de regimes temporários e sujeitos a algumas condições. “Uma autorização genérica nunca existiu, e é uma boa coisa. Não é razoável que o Estado deva ao contribuinte e não lhe pague. Mas ao mesmo tempo cobre tributos dele com todo o rigor que conhecemos”, diz.

Yun Ki Lee também acha que se trata de uma ótima proposta para o contribuinte, mas acredita que da forma como está o texto os entes públicos poderão enfrentar sérias dificuldades. “O planejamento das contas públicas e a previsão de arrecadação tributária em si ficariam à mercê da compensação desses precatórios”, afirma.

Heleno Torres acrescenta que a medida parece justa, mas se aprovada poderá interferir no cumprimento da ordem de pagamento dos precatórios, principalmente em razão dos títulos adquiridos de terceiros.

A liberação do contribuinte com débitos a participar de licitações ou contratar com a administração pública é outra mudança que agrada. Pelo projeto, a exceção será para o contribuinte considerado inepto ou que tenha atividade que dependa de registro especial de funcionamento.

O professor de direito tributário da UFRJ e um dos integrantes da comissão, Eduardo Maneira, afirma que a previsão tira a importancia que a Certidão Negativa de Débitos tem nos dias de hoje. O documento passará a ter uma função meramente fiscal quando for de interesse do contribuinte.

Apesar de o contribuinte não ser impedido de participar da licitação, poderá ser excluído posteriormente, segundo o professor Heleno Torres. O artigo, acrescenta, autoriza o poder público a reter recursos ou exigir garantias para a execução do contrato.

Assim como já ocorre para a majoração e a criação de novos tributos, o projeto cria o princípio da anterioridade para nova obrigação acessória. A ideia é que após 30 de junho do mesmo exercício não seja mais possível exigi-la, apenas no ano seguinte.

Um outro artigo regulamenta a dissolução irregular de empresas para fins de responsabilização de sócio por dívidas. Hoje só há tratamento na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. “É bom para trazer segurança jurídica porque o CTN não é claro em relação ao assunto”, diz Heleno Torres.

O projeto estipula que para ser caracterizada a irregularidade a companhia deve deixar de apresentar ao Fisco as declarações exigidas por dois anos consecutivos e não ser localizada no endereço declarado.

A proposta também reafirma o prazo de 365 dias já previsto em lei federal para o julgamento de processos administrativos. A novidade é que se o período não for cumprido, a demanda do contribuinte será automaticamente confirmada, com exceção dos casos de fraude, dolo ou simulação.

Segundo Eduardo Maneira, uma das mudanças mais significativas da proposta para os contribuintes que prestam serviços em diferentes municípios é a que estipula o CNPJ como único cadastro fiscal do país, englobando Estados e municípios. “Se o prestador de serviço não tem cadastro em determinado município, acaba sendo penalizado com o pagamento de algum valor. Esse drama vai acabar.”

Para o tributarista Igor Mauler Santiago, acabar com as inscrições regionais é um bom passo para tentar tirar do país a cultura cartorial que tanto mal faz à economia.

A proposta também pretende garantir ao contribuinte o encerramento sua inscrição ainda que tenha tributos pendentes. De acordo com Santiago, o projeto é compatível com o objetivo da comissão. Apesar disso, entende que a proposta não esgota as necessidade de alterações do código, que fez 50 anos em 2016.

“O CTN, não diz nada sobre as contribuições especiais, por exemplo, de forma a delimitar um pouco a liberdade do legislador em implementar contribuições”, afirma o tributarista.