Reforma da Previdência proposta pela PEC 287 é perversa
Por Marcos Vinicius Gomes Avelino
O tão esperado ano de 2017, após todas as dificuldades e amarguras vividas no ano antecedente, parecia fazer soprar uma brisa de esperança em dias melhores no sofrido povo brasileiro. Ledo engano. No inaugurar deste novo ano, novas angústias passam a se apresentar, agora comprometedoras do futuro, legado ao trabalhador brasileiro, à sua qualidade de vida e da sua família.
Como se não bastassem todos os infortúnios e, acreditando não ser possível piorar as expectativas em face dos “invencionismos salvadores”, eis que é apresentada ao congresso nacional, conhecida como casa do povo, um projeto de reforma do sistema de previdência social que altera de forma profunda a vida e as esperanças do trabalhador brasileiro.
O tema previdência social é recorrente e toma conta de todo o mundo conhecido, isso é indiscutível. Vários países já se veem pressionados pelo aumento da expectativa de vida, por um lado, e pela drástica redução da natalidade, por outro. Essa equação de aumento da expectativa de vida e diminuição da natalidade, que leva a uma gradual redução da população economicamente ativa, provoca preocupação especialmente nos países desenvolvidos, os quais, frise-se, gozam de uma qualidade e expectativa de vida muito superiores à verificada nos países tidos como “em desenvolvimento”, como é o caso do Brasil.
Contudo, mesmo frente a equação desigual, não se percebe nos países desenvolvidos, ressalto, que apresentam uma expectativa de vida bem superior à verificada nos países “em desenvolvimento, quaisquer tentativas de reforma ou ajuste do sistema de previdência com tamanha insensibilidade, debitando tão grande ônus na conta dos trabalhadores. E pior, desprezando, absurdamente, as peculiaridades inerentes às variadas profissões e a natureza de suas atividades ordinárias como se depreende no texto da PEC 287.
Há que se concordar que o sistema brasileiro de previdência carece de ajustes, bem como, da adoção de uma gestão competente, proba e zelosa com a coisa pública e o respeito ao segurado que a mantém. Nesse diapasão, necessário destacar a necessidade de rigoroso combate à corrupção, chaga que assola e dilapida este gigante país desde os idos coloniais.
Com a previdência não é diferente. Instituição que se destaca pela fantástica arrecadação, vez que possui específicas fontes de manutenção via impostos e contribuições a ela destinadas, sofreu e sofre toda a sorte de desvios, que não são maiores devido a ação forte dos órgãos de controle e da Polícia Federal, que possui uma das maiores cargas de inquérito policial instaurados, justamente, para apuração dos delitos em face da previdência.
Há, ainda, os subterfúgios legais que conferem exacerbada leniência para com os devedores da previdência (grandes grupos econômicos e financeiros, especialmente), os quais, ao contrário dos segurados (trabalhadores, públicos e privados) que honram de forma compulsória com essa obrigação, passam a se eternizar na condição de devedores, fazendo e refazendo negociações de dívidas que, na prática, nunca são honradas na sua integralidade. Soma-se, ainda, ao quadro da debilidade na arrecadação, a aprovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
A DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado. Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.
Na prática, a DRU permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública. Prorrogada diversas vezes, a DRU estaria em vigor até 31 de dezembro de 2015, mas em julho, o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, estendendo novamente o instrumento até 2023.
A PEC aumenta de 20% para 30% a alíquota de desvinculação sobre a receita de contribuições sociais e econômicas, fundos constitucionais e compensações financeiras pela utilização de recursos hídricos para geração de energia elétrica e de outros recursos minerais. Por outro lado, impostos federais, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IR), não poderão mais ser desvinculados. (Fonte: site do Senado Federal).
Frente a isso, percebe-se que o déficit verificado na previdência brasileira se revela determinado, de um lado, pela inadimplência e de outro, pela retirada ou desvio ou desvinculação institucional pelo próprio poder público, permanecendo como fonte primária, compulsória, irrenunciável e regular, as contribuições dos trabalhadores.
Aposentadoria “especial” dos policiais
Se a PEC 287 se revela como uma monstruosidade e uma agressão ao trabalhador brasileiro de uma forma geral, vem prejudicando mais ainda algumas categorias de servidores que atualmente já recebem tratamento diferenciado em sua aposentadoria, em face das peculiaridades e submissões a que estão sujeitos.
A Constituição Federal de 1988 no artigo 40, §4º veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, mas ressalva os servidores: portadores de deficiência física; que exercem atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e os que exercem atividade risco, nesta última se enquadram os policiais.
Por incrível e surreal que possa parecer, o projeto de reforma da previdência brasileira inseriu num mesmo tratamento os trabalhadores comuns e os policiais, ferindo um tão decantado princípio, conhecido por princípio da igualdade que, na dicção professal e iluminada do mestre Rui Barbosa assim revela:
“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade… Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” (grifo nosso)
A atividade policial, com é ou deveria ser cediço, é das mais desgastantes e perigosas atividades profissionais do mundo. Se no mundo ela é reconhecida como de risco, sobreleva no Brasil, país que, infelizmente, ostenta o título de ser um dos mais perigosos e inseguros do planeta, com o noticiário mostrando confrontos no meio urbano entre marginais e policiais, com estatística de mortes dignas das mais sangrentas guerras.
A expectativa de vida policial no Brasil tem se mostrado uma das menores do mundo, aí se destacando, além dos potenciais e inevitáveis confrontos, dentro e fora do serviço, os problemas ocupacionais que o exercício da atividade (das mais estressantes e arriscadas) provocam no homem e mulher de polícia, que passam a sofrer de problemas de ordem física e psicológica, comprometendo sua qualidade de vida e sua expectativa de vida.
O Brasil possui a maior taxa de mortandade de policiais no mundo e a causa principal advém dos confrontos no exercício da profissão. Os problemas ocupacionais se multiplicam, assim como o ine/vitável comprometimento da saúde.
Países de primeiro mudo, que gozam de um elevadíssimo padrão de vida e que, por lógico, possuem uma elevada expectativa de vida, além de condições de trabalho dignas e com violência e criminalidade sob controle ou ínfimas, reconhecem e respeitam seus homens de polícia, concedendo e estipulando um limite de tempo de labor diferenciado, aposentando seu policial de forma prestigiada e justa, com tempo menor em relação aos demais trabalhadores.
A aposentadoria é tida como um instituto pelo qual um trabalhador deixa de trabalhar e passa ter seu tempo restante de vida livre, remunerado em razão do custeio por ele mesmo realizado ao longo da vida laboral. Ora, o sentido desse instituto chamado aposentadoria é a existência do tempo livre remunerado. A pessoa deve poder usufruí-la, em respeito aos tão valiosos direitos sociais insculpidos na Carta Política vigente, além do respeito aos básicos diretos humanos e da dignidade da pessoa humana.
Assim, estipular regras para a aposentação de modo a não respeitar as peculiaridades dos desiguais, nos termos do princípio da igualdade, bem como, negar a fruição do instituto da aposentadoria, vez que se busca fixar limites de idade para fruição que desnatura e torna inexequível seu gozo, é algo perverso e avesso aos direitos humanos, respeitados e preservados em todo o mundo democrático e constitucional.
Nesse sentido, soa absurdo o Brasil colocar desiguais, como são os policiais, no mesmo rol de trabalhadores comuns. Soa, igualmente estranho e discriminatório retirar os militares da reforma ora proposta, que são desiguais e merecem o devido tratamento nesse contexto, pois sua atividade é caracterizada pelo risco, e, incluem os policiais na reforma, mesmo guardando similitude entre as atividades.
Os policiais não estão apenas sujeitos às intempéries, eles sofrem diariamente com tais dificuldades, seu enfrentamento acontece, é real, mortal em muitos casos. Não observar essa realidade é algo totalmente disforme do mundo inteligível, é algo surreal e tomado pela mais incrível das injustiças.
Estes profissionais (os policiais), que não estão sujeitos apenas a um risco potencial de uma situação hipotética de confronto, mas, ao contrário e bem mais forte, estão imersos no enfrentamento cotidiano da violência, foram incluídos na reforma pela PEC 287/2016.
Espera-se, que o debate democrático promovido na casa da democracia (o parlamento) corrija as deformidades de um projeto já tomado pela exacerbação e injustiça, especialmente no que se refere aos policiais brasileiros.