Relator não viola colegialidade ao liberar preso que cumpriu pena, diz parecer
Relator que libera cautelarmente presos que já cumpriram suas penas não viola o princípio da colegialidade. Isso porque os demais desembargadores da turma posteriormente analisarão o caso e poderão reverter a decisão monocrática, se entenderem que ela foi equivocada. Esse foi o entendimento firmado pelo professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo Maurício Zanoide de Moraes em parecer encomendado pelos advogados criminalistas Igor Sant’Anna Tamasauskas e Pierpaolo Cruz Bottini, sócios do Bottini & Tamasauskas Advogados.
Os dois defendem a juíza convocada da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo Kenarik Boujikian de acusação de violação ao princípio da colegialidade. A representação veio do desembargador Amaro Thomé Filho após ela expedir alvarás de soltura de dez réus que estavam presos preventivamente há mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças.
Na última sessão de 2015 do Órgão Especial do TJ-SP, o desembargador Xavier de Aquino propôs a instauração de processo administrativo disciplinar contra Kenarik. Para justificar sua sugestão, Aquino argumentou que ela “já tinha problemas pretéritos com respeito a ordens que todos devemos cumprir”. Contudo, o julgamento foi interrompido na ocasião pelo pedido de vista do desembargador Antonio Carlos Malheiros.
Diante disso, Tamasauskas e Bottini levaram quatro perguntas a Zanoide:
- Qual é a natureza jurídica das decisões proferidas por Kenarik Boujikian e que resultaram na “expedição de alvará de soltura clausulado”?
- Pode-se considerar que a situação de Kenarik Boujikian, nessas decisões de expedição de alvará, amolda-se à hipótese de concessão de Habeas Corpus de ofício?
- A situação de Kenarik Boujikian implica usurpação de competência do juízo da vara de execução penal?
- A situação de Kenarik Boujikian, nos dez processos judiciais indicados na representação, demonstra violação ao princípio da colegialidade? Em que consiste esse princípio da colegialidade?
Logo no início de sua análise, o professor da USP deixou claro que a prisão preventiva é uma medida cautelar, uma vez que é decretada no curso da persecução penal e antes de decisão condenatória e tem como característica a provisoriedade. Como as decisões de Kenarik podem ser revertidas posteriormente pelo colegiado, elas também possuem natureza cautelar, afirmou o parecerista.
E, para Zanoide, tais ordens de soltura expedidas pela juíza configuram Habeas Corpus ex officio, previsto no artigo 654, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal. Na visão dele, os atos de Kenarik visaram fazer cessar coação ilegal decorrente de prisão preventiva por tempo superior ao fixado na sentença e seguiram as regras da Constituição e das leis penais.
Porém, o especialista em processo penal ressaltou que essas decisões não violaram a competência da vara de execução penal. A razão disso é que o artigo 232 do Regimento Interno do TJ-SP confere poderes ao relator para proferir decisões sobre medidas cautelares no âmbito penal, como a prisão preventiva.
Além disso, decidir cautelarmente “não é privar o colegiado da apreciação da matéria”, opinou Zanoide. De acordo com ele, o relator só viola o princípio da colegialidade quando retira definitivamente da turma a análise de um processo. Contudo, não foi isso que ocorreu no caso de Kenarik, disse o professor da USP, lembrando que ela “nunca furtou ou impediu que a decisão final sobre a matéria cautelar por ela decidida fosse resultado de discussão e resultado, ao final, colegiado”.