Carvalho e Silva Advogados

Cobranças indevidas são um tormento para quem compra imóveis na planta

Garantias do Consumo

Cobranças indevidas são um tormento
para quem compra imóveis na planta

Por Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer

A aquisição de imóveis na planta é o modo mais utilizado no Brasil para a compra de residências novas no Brasil e ganhou ainda maior dimensão e relevância em razão de políticas habitacionais que subsidiam o empréstimo para compra de imóveis por parte da população de menor renda, em especial o programa Minha Casa, Minha Vida[1].

A posição do consumidor é de intensa vulnerabilidade, em razão da complexidade do contrato e do fator emocional, uma vez que normalmente a aquisição da casa própria representa a realização do grande sonho de sua vida. Neste contexto os incorporadores encontram terreno fértil para práticas e cláusulas abusivas, dentre as quais a transferência aos adquirentes de custos do incorporador com terceiros, a cujo pagamento o consumidor se submete sem maiores discussões, já que do contrário a compra e venda não seria realizada.

Analiso, assim, a licitude da imposição ao consumidor do pagamento do Serviço de Assessoria Técnico Imobiliária (Sati) e da comissão de corretagem, tema que se encontra sob apreciação do Superior Tribunal de Justiça[2]. Abordo também a validade da cláusula que determina que o consumidor deva arcar com despesas de condomínio antes da entrega das chaves e consequente posse no imóvel.

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor na compra de imóveis residenciais na planta é bastante clara, uma vez que o adquirente é o destinatário final fático e econômico, enquadrando-se, assim, no conceito de consumidor, nos termos da teoria finalista.

Por outro lado, o incorporador que impulsiona o empreendimento imobiliário e realiza a alienação das unidades residenciais será sempre considerado fornecedor, pois se enquadra com perfeição na dicção do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que é o responsável pela construção e comercialização do imóvel adquirido pelo consumidor. É este, inclusive, o posicionamento adotado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.[3]

Imposição de pagamento do Sati
A imposição do pagamento de despesa com a prestação do Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária (Sati) é extremamente comum no mercado de venda de imóveis na planta. Após a finalização da negociação, no momento da celebração do contrato, o consumidor é surpreendido com a exigência do pagamento de um significativo valor extra, não inserido no preço do imóvel, a título de remuneração pela confecção do contrato e demais serviços jurídicos necessários à celebração da avença. A contratação do Sati é feita ao arrepio da vontade do consumidor, a quem não é dada a oportunidade de dispensá-la. Muito pelo contrário, é obrigado a pagar a despesa, sob pena de não ser concretizada a alienação do imóvel. Há nítida afronta aos artigos 6º, inciso III e 31 do Código de Defesa do Consumidor, em razão da ausência de informação prévia quanto à prestação do serviço e sua cobrança, constituindo violação da boa-fé objetiva surpreender o consumidor com tal cobrança no momento da finalização do contrato[4].

Ainda que houvesse informação, permaneceria inválida a imposição do pagamento do Sati, dado o seu caráter abusivo, uma vez que tais custos devem ser arcados exclusivamente pelo fornecedor. Com efeito, o principal serviço prestado é a confecção do contrato de compra e venda, que possui um formato padronizado, no qual são preenchidos os dados do consumidor, da unidade comercializada, além do preço final e sua forma de pagamento.

O consumidor defronta-se com típico contrato de adesão, na medida em que suas cláusulas são redigidas de acordo com as diretrizes fixadas pelo incorporador, tratando-se, assim, da hipótese prevista no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. Não é razoável que se transfira ao adquirente a responsabilidade de pagar pela confecção de um contrato de adesão, em relação ao qual não possui a oportunidade de negociar as suas cláusulas!

Ademais, não é o consumidor que escolhe a empresa prestadora do Sati, mas sim o incorporador. Inclusive, ela normalmente pertence ao mesmo grupo da pessoa jurídica que coordena o processo de venda dos imóveis, o que reforça a assertiva de que os seus serviços são direcionados à satisfação dos interesses do fornecedor.

Enfim, trata-se de contratação de serviço imposta ao consumidor, por profissional que não foi por ele escolhido e cujo resultado final de maior relevância – o contrato de compra e venda — resulta em proveito, sobretudo, do fornecedor, por ter a natureza de adesão.

Portanto, a dinâmica da “contratação” do Sati revela a presença da venda casada, prática considerada abusiva pelo artigo 39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a aquisição do imóvel é condicionada à contratação de um serviço cujo prestador é imposto pelo fornecedor.

Transferência ao consumidor do pagamento da comissão de corretagem
Outra prática recorrente dos incorporadores na venda de imóveis na planta é a imposição ao adquirente do pagamento da comissão de corretagem, cuja abusividade fica clara através da análise conjunta das normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

O primeiro aspecto a ser salientado é o vício de informação, uma vez que o consumidor não é previamente informado que terá que arcar com tal despesa. No momento da finalização do negócio é surpreendido com a notícia de que deverá efetivar o pagamento da comissão, sendo-lhe simplesmente apresentado o valor a ser adimplido. A ausência de informação prévia ao adquirente viola os artigos 6º, inciso III e 31 do Código de Defesa do Consumidor.

Porém, mesmo que o consumidor tivesse sido previamente informado seria inválida a imposição de tal pagamento, por desvirtuar a natureza do instituto da corretagem, que é disciplinado pelo artigo 722 do Código Civil nos seguintes termos: “Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.

Assim, a figura clássica da corretagem de imóvel pressupõe uma contratação prévia (escrita ou verbal) de uma pessoa (jurídica ou física) sem ligação com a outra (seja na qualidade de mandatário, prestador de serviço ou com qualquer relação de dependência).

Já a dinâmica da venda de imóveis na planta envolve a contratação pelo incorporador de uma imobiliária para coordenar todo o processo de vendas do imóvel, no qual, normalmente, há a montagem do estande de venda que será o principal local de captação dos adquirentes, com a utilização adicional de outros pontos de contato, como a página eletrônica da imobiliária e os seus escritórios e centrais telefônicas. Os corretores que atenderão o adquirente são exclusivamente aqueles indicados pela empresa contratada pelo incorporador. Há, assim, uma nítida relação preestabelecida entre o vendedor, a imobiliária e os corretores.

É evidente que não é o consumidor que contrata o serviço de corretagem, mas sim o incorporador. Assim, a relação descrita no artigo 722 do Código Civil é estabelecida entre o incorporador e os corretores, sendo abusiva a conduta de transferir a responsabilidade pelo pagamento da respectiva comissão ao consumidor.

Reforça a pertinência de tal conclusão o fato do preço a ser pago a título de comissão de corretagem não ser definido pelo consumidor, mas sim ser fruto de prévio acordo do vendedor com a imobiliária, que combinam o percentual que será cobrado do consumidor.

Assevere-se que o Superior Tribunal de Justiça já firmou jurisprudência no sentido de que deve arcar com o pagamento da comissão de corretagem a parte que efetivamente contrata o corretor de imóveis para que este obtenha negócios de acordo com as instruções recebidas[5].

É o incorporador quem previamente contratou a empresa coordenadora da venda e os seus respectivos corretores devendo, consequentemente, ser o responsável pelo pagamento da comissão sobre a venda dos imóveis. Tal responsabilidade não pode ser transferida ao consumidor, que não optou pela intermediação, não escolheu o corretor e não negociou o preço.[6]

Ademais, ao condicionar a alienação do imóvel ao pagamento da comissão de corretagem pelo consumidor, o incorporador incide em prática abusiva enquadrada como venda casada nos termos do artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor[7].

Encargos condominiais antes da entrega das chaves
Finalizo o artigo destacando a abusividade de cláusula que costuma ser inserida nos contratos de compra e venda de imóveis na planta, estipulando caber ao consumidor a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio, mesmo que não lhe seja dada posse efetiva do imóvel.

Muitas vezes a incorporadora não entrega as chaves do imóvel após instalado o condomínio, exigindo, no entanto, que o consumidor pague as respectivas despesas. Isto ocorre, por exemplo, quando há problemas relacionados com a unidade adquirida, como acabamento incompleto ou falhas, que impedem a entrega das chaves até a sua completa execução. Outra hipótese comum é a demora no agendamento de vistoria no imóvel, por ter a incorporadora destinado insuficiente número de funcionários para tal função.

Mas o maior problema incide em exigências burocráticas de algumas incorporadoras, como por exemplo, o condicionamento da posse no imóvel à lavratura da escritura da unidade e seu respectivo registro. Para que isto ocorra há necessidade de elevado transcurso de tempo, principalmente nas hipóteses em que para a quitação da unidade o consumidor depende de financiamento, cujo processo somente pode ser iniciado com a entrega do habite-se e demanda alguns meses para ser finalizado. E muitas vezes a construtora tarda a enviar a documentação necessária, atrasando a disponibilização do empréstimo. Sem contar que a lavratura da escritura e seu respectivo registro consomem cerca de um mês adicional.

Não obstante, é prática comum a inclusão de cláusula contratual estipulando que o consumidor tem a obrigação de pagar as despesas de condomínio a partir da concessão do habite-se e instalação do condomínio, ainda que as chaves não lhe tenham sido entregues.

Ocorre que tais encargos estão intimamente relacionados com o uso do imóvel e sem a posse não há utilização pelo consumidor que justifique o pagamento das despesas. Assim, enquanto o alienante não der posse ao adquirente, deve suportar o pagamento dos respectivos encargos.

O Superior Tribunal de Justiça já firmou a tese de que a “a efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais”[8].

Portanto, é abusiva a cláusula que impõe ao adquirente pagar as despesas condominiais antes da sua efetiva posse no imóvel, por gerar uma exagerada desvantagem ao adquirente e contrariar a natureza do contrato, sendo, assim, nula de pleno direito nos termos do artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor.


[1] Nos termos do artigo 1º da Lei n. 11.977/09, o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais).
[2] Estes dois assuntos são objeto de análise do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1551956, da Terceira Turma, cujo relator é o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao qual foi atribuída a natureza de recurso repetitivo e, assim, uma vez julgado pela Segunda Seção do STJ, a tese adotada servirá para orientar a solução de todas as demais causas com o mesmo objeto.
[3] Ver, dentre outros precedentes: AgRg no REsp 1006765 – Rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva – 3ª T. – j. em 18.03.2014. Transcrevo o seguinte trecho elucidativo do posicionamento do tribunal: “2. Em que pese o contrato de incorporação ser regido pela Lei nº4.591/64, admite-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser observados os princípios gerais do direito que buscam a justiça contratual, a equivalência das prestações e a boa-fé objetiva, vedando-se o locupletamento ilícito”.
[4] A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem reconhecendo a falha no dever de informação adequada, apta a infirmar a validade da imposição no pagamento do SATI. Ver, a propósito: Apelação nº 152536-70.2012.8.26.0100 – Rel. Des. Élcio Trujillo – 10ª Câmara de Direito Privado – j. em 28/05/2015.
[5] Recurso Especial 1.288.450 – rel. min. João Octávio Noronha – 3ª Turma – j. em 24.02.2015. Transcrevo os seguintes trechos da ementa: “1. Contrato de corretagem é aquele por meio do qual alguém se obriga a obter para outro um ou mais negócios de acordo com as instruções recebidas. 2. A obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor”.
[6] Há inclusive, precedente do Superior Tribunal de Justiça que negou seguimento a recurso especial interposto contra acórdão que reconhecera como abusiva a imposição feita ao consumidor de pagar comissão a corretor cuja contratação foi realizada diretamente com as incorporadoras imobiliárias, sem ter havido prévia negociação entre as partes: AREsp 350052 – Rel. min. Sidnei Benetti – decisão monocrática – DJ de 08/08/2013.
[7] Há diversos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgando abusiva a transferência das despesas de corretagem. Dentre eles destaco: Apelação nº 1003177-27.2015.8.26.0196 – Rel. Des. José Rubens Queiroz Gomes – 7ª Câmara de Direito Privado – j. em 18/01/2016. Transcrevo o seguinte trecho de sua ementa: “Irregularidade do repasse ao consumidor de valores atinentes à despesa com corretagem. Contrato de adesão. Imposição como condição a que possa consumar a compra do imóvel. Venda casada. Artigo 39, I, do CDC”.
[8] EREsp 489647, 2ª Seção, Rel. min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/12/2009.

Fonte CONJUR