Presunção de inocência em concurso público se submete a interesse coletivo
O princípio constitucional da presunção da inocência não é absoluto. Pode e deve ser ponderado na comparação com outros princípios constitucionais, como o da moralidade administrativa e o da supremacia do interesse público, no caso de contratação pela administração pública. Por isso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS, SC e PR) negou apelação de um médico que passou em primeiro lugar no concurso para perito previdenciário do INSS, mas foi impedido de assumir o posto porque responde por crime de peculato — desvio de dinheiro público por abuso de confiança — no interior do Paraná.
Após ter a sua nomeação barrada pela Procuradoria do INSS em Francisco Beltrão (PR), o autor foi à Justiça para derrubar o ato administrativo. Alegou que o fato de estar respondendo a ação penal não configura antecedente criminal e não afasta a presunção de inocência, sendo abusivo, arbitrário e ilegal qualquer entendimento diverso. Sustentou que a certidão de antecedentes criminais deve se referir apenas às condenações transitadas em julgado e que a certidão só pode ser ‘‘positiva’’ se informar sobre condenação penal definitiva, o que não é o seu caso.
A juíza substituta Marize Cecília Winkler, da 2ª Vara Federal de Cascavel, afirmou na sentença que o ato da autarquia é legal, já que o edital do concurso foi bem claro: o candidato tinha de apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. O documento serve para provar a inexistência de ações criminais por parte de determinada pessoa, o que não é o caso do autor, que, além de responder a uma ação penal, é investigado em outro inquérito pelo Ministério Público Federal.
‘‘Das informações trazidas pela impetrada [gerência do INSS em Francisco Beltrão], verifica-se também que na referida ação penal em curso nº 2006.1124-3 o impetrante [autor] foi denunciado por formação de quadrilha ou bando (artigo 288 do CP) e por incorrer em 19 vezes no crime de peculato (artigo 312, parágrafo 1º, do CP), em razão de ter sido considerado ‘fantasma’ quando exercia o cargo de perito oficial do Instituto de Criminalística do Estado do Paraná’’, complementou.
A juíza disse não desconhecer que a exclusão de candidato que responde a inquérito ou ação penal, sem trânsito em julgado, viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição. Entretanto, no caso dos autos, entendeu que a administração pública tem razão em impedir o acesso do autor à carreira de médico perito, pois este foi processado em pleno exercício de cargo público na esfera estadual. Assim, o princípio da presunção da inocência não poderia ser valorizado ao exagero em relação aos demais princípios, especialmente o da supremacia do interesse público.
‘‘A ponderação socorre-se do princípio da razoabilidade — proporcionalidade para promover a máxima concordância prática entre os direitos em conflito. O ideal, é claro, que o intérprete faça concessões recíprocas entre valores e interesses em disputa, preservando o máximo possível cada um deles. Entretanto, existem situações, como a do caso em exame, em que se mostra impossível esta compatibilização, cabendo, então, aos julgadores fazerem escolhas, determinando qual princípio deve prevalecer’’, afirmou na sentença.
O relator da apelação na 4ª Turma, juiz convocado Sérgio Renato Tejada Garcia, entendeu que o interesse coletivo deve prevalecer, para evitar o ingresso no serviço público de pessoas que não apresentam passado absolutamente limpo. Segundo Tejada, o TRF-4, em outros julgados, já se manifestou no sentido de que o princípio da presunção de inocência não é absoluto. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 23 de fevereiro.