Carvalho e Silva Advogados

Para se condenar o ex-senador Gim Argello, prende-se Léo Pinheiro

Por Cezar Roberto Bitencourt

A operação “lava jato” conquistou extraordinário apoio popular e imenso reconhecimento no seio da sociedade porque vem dando uma positiva contribuição ao país. Pelos resultados obtidos, por desnudar as relações espúrias do poder e, principalmente, por conseguir estancar a sangria dos cofres públicos, deve-se reconhecer seus méritos. Contudo, isso não significa que esteja acima do bem e do mal, ou que esteja autorizada a ignorar o ordenamento jurídico, sobrepor-se às garantias constitucionais; deve estar aberta ao aperfeiçoamento, à transparência e, sobretudo, reconhecer que não pode fazer suas próprias leis; deve reconhecer suas limitações legais, constitucionais e territoriais; respeitar seus limites constitucionais, a existência de hierarquia e, sobretudo, não ignorar que, em um Estado Constitucional e Democrático de Direito, o Supremo Tribunal Federal sempre tem a última palavra, ou, parodiando o moleiro de Sans souci, para que não seja necessário lembrar-lhe, que “ainda há juízes em Berlin”[1].

Uma das maiores armadilhas no debate público é recriminar um dos lados não pelos seus argumentos, mas simplesmente por divergir de seu entendimento, desrespeitando a liberdade de expressão, o direito de manifestar-se e de exprimir suas convicções. Assim, em vez de se enfrentar questões objetivas do debate, parte-se para a desqualificação do ex adversus. É uma velha tática conhecida para desviar o foco do debate, desacreditando a parte contrária, ou quem ousa pensar diferente.

Falando-se em “lava jato”, normalmente, parece ser proibido ousar fazer qualquer crítica ou questionamento a respeito, apesar de se apontar e demonstrar muitos equívocos graves, especialmente quanto aos métodos e procedimentos adotados, contrariando muitos fundamentos legais e garantias constitucionais. Quem ousa levantar mesmo os mais sérios e fundados questionamentos sobre a metodologia da operação, logo é acusado de estar defendendo o seu fim, a impunidade dos investigados, o seu retardamento ou qualquer outra ofensa desse gênero.

É respeitável e absolutamente recomendável que, além de se ouvir a voz rouca das ruas, sejam ouvidos os meios especializados, particularmente, os meios acadêmicos e universitários, os especialistas do gênero, os pesquisadores, além dos diversos segmentos do próprio Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública sobre os acertos e desacertos da “lava jato”.

Afinal, tudo e por tudo, nada está acima da lei e, principalmente, da Constituição Federal. Certamente, os operadores da “lava jato” não devem ser vistos como os heróis da República e tampouco o soldadinho do passo certo no batalhão de passo errado, mas devem também admitir o debate, a reflexão, o questionamento, não apenas sobre a validade, legitimidade e eficiência da operação, mas sobretudo, e ao mesmo tempo, refletir seriamente sobre a metodologia, na nossa ótica, arbitrária, prepotente e, por vezes, ferindo o devido processo legal —, confessadamente adotada por tais investigadores, inclusive de “prender para delatar”; deve-se questionar também a forma como o próprio magistrado que a comanda, aliás, verdadeiramente, a comanda, o qual já recebeu algumas censuras do STF por alguns excessos.

Por outro lado, aqueles que veem, por vezes, de forma crítica, entre os quais nos incluímos, a metodologia adotada no âmbito da “lava jato”, podem sim ter em vista os mais legítimos interesses da cidadania. A Lava jato é tão importante à nação brasileira e para moralização inclusive da política brasileira, que é dever de todos zelarmos para que proceda sempre com a mesma lisura, retidão e correção que se exige da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, como historicamente essas três instituições sempre procederam. Não podem, nesse caso — somente nesse caso — ultrapassar os limites da legalidade, como, por exemplo, utilizar prova ilícita (invocando boa-fé), prender para delatar, transformar a prisão em prima ratio etc.

Não se ignora que todos os segmentos da sociedade acompanham o desenrolar da atuação de dita operação e que, embora mereça todo o respeito da sociedade, também é, ao mesmo tempo, objeto de sérias, justas e graves críticas pelos métodos abusivos e arbitrário que, ao longo das investigações, vem sendo adotados, e, muitas vezes, arranhando os ditames consagrados na própria Carta Magna deste país. E as críticas, mais ou menos severas, mais ou menos justas, não devem ser consideradas apenas como contrárias às investigações ou favoráveis à corrupção, simplesmente, mas devem ser recepcionadas, refletidas, pensadas para corrigir eventuais excessos e abusos, até mesmo para garantir seu prosseguimento.

Postas essas considerações preliminares, vamos a questões mais objetivas e diretas que ocorreram recentemente e que nos preocuparam sobremodo. Acabamos de ler, abismados, um despacho recente do magistrado que preside as ações penais relativas a “lava jato”, datado de 2/9/2016, às 14h21, no qual (5012300-47.2016.4.04.7000/PR) há algo que nos assusta, nos preocupa enquanto profissional do Direito, e gostaríamos de estar profundamente equivocados. Nessa decisão, o digno magistrado decreta novamente a prisão do empresário Léo Pinheiros da OAS, o qual, já condenado em outros processos, encontrava-se em prisão domiciliar.

Sabem qual foi a alegada razão dessa surpreendente “nova prisão” de Léo Pinheiro? Pasmem, prisão para que referido empresário “colabore” — agora novamente preso, humilhado, vencido e sem alternativas — em procedimentos investigatórios com reflexos na suposta venda de “proteção” na CPI mista da Petrobras, de 2014. Não se poderia fazê-lo em prisão domiciliar, sendo apenas convocado para ser ouvido na polícia, no Ministério Público ou no Judiciário, como seria o normal e legal? Por que o constrangimento abusivo e indevido, sob o falacioso argumento de que estaria prejudicando as investigações?

Mas vá lá, já acostumados com os desmandos da operosa “lava jato”, seria apenas mais um extravagante procedimento investigatório, não fosse o conteúdo, no mínimo, altamente questionável do respeitável despacho do digno magistrado. Com efeito, a certa altura de sua decisão, o douto magistrado praticamente sugere, induz e incita sobre o conteúdo que o Ministério Público e ele próprio gostariam de ver acrescentado ao processo com o denominado interrogatório de Léo Pinheiros (espécie de delação descontinua). Pois essa mensagem cifrada ou subliminar parece ocultar o verdadeiro objetivo de reinquirir alguém que já foi ouvido em processo findo, qual seja, por tabela, produzir prova em outra investigação paralela. A rigor, ao que tudo indica, parece que objetivo é produzir prova contra os políticos envolvidos com a CPI da Petrobras, particularmente de seu vice-presidente, ex-senador Jorge Afonso Argello (Gim Argello).

Nesse sentido, veja-se a mensagem que referida decisão — seis meses após ser postulado pelo parquet — passa ao acusado e seus advogados, no “esclarecimento” que faz a fl. 11, verbis:

“De se reconhecer igualmente o risco à ordem pública pelas provas, em cognição sumária, do pagamento sistemático de propinas a agentes públicos, não só da Petrobrás, mas também agentes políticos, um deles o ex-senador Jorge Afonso Argello, a revelar um modus operandi que reclama medida enérgica para prevenir reiteração.

Assim, é o caso de deferir o requerido pelo MPF e decretar a prisão preventiva de José Adelmário Pinheiro Filho.

Esclareça-se o motivo deste Juízo ter demorado em apreciar o requerimento do MPF apresentado em 18/03/2016. Como consignado expressamente na decisão de recebimento da denúncia na ação penal 502217978.2016.4.04.7000 (evento 6), teve-se presente a possibilidade de configuração de crime de concussão por parte do ex-senador Jorge Afonso Argello, o que excluiria a responsabilidade criminal dos empresários que a ela cederam. Então, por cautela, resolveu o Juízo aguardar o desdobramento da instrução antes da decisão. No evoluir da instrução, porém, surgiram elementos, em cognição sumária, no sentido da ocorrência de crime de corrupção passiva e ativa, como os já apontados, tornando mais evidente o risco à regular apuração das responsabilidades do acusado José Adelmário Pinheiro Filho. Evidentemente, juízo conclusivo acerca dos fatos só será possível quando do julgamento e após a apresentação pelas partes de suas alegações finais.

O douto magistrado, no parágrafo logo abaixo, o último da página 11 de seu despacho, esclarece a Léo Pinheiros e seus advogados sobre os fatos, verbis:

“Esclareça-se ainda que, embora a instrução na ação penal 502217978.2016.4.04.7000 esteja concluída, pende, como já consignado, a instrução perante este Juízo de pelo menos mais duas ações penais contra José Adelmário Pinheiro Filho, sem olvidar a investigação em inquéritos em trâmite e a instrução de eventuais futuras ações penais com base nesses inquéritos. De uma forma mais ampla, porém, pela ousadia da conduta, não é somente a colheita de provas que se encontra em risco, mas a própria regular definição das eventuais responsabilidades penais de José Adelmário Pinheiro Filho” (grifamos).

Assim, para ao bom entendedor (diga-se Léo Pinheiros e seus advogados) já se sabe o que deve ser feito, melhor dito, o que deve ser declarado! Por outro lado, está reaberta, via judicial, o caminho para a delação premiada de Léo Pinheiro, a qual, com sua prudência e serenidade o digno doutor Janot havia cancelado. Está sinalizada, enfim, a reabertura da delação premiada de Léo Pinheiros com redução da pena de 16 anos que poderá chegar a 20 e tantos, além de outros quatro processos em tramitação. Parece claro que o processo do ex-senador foi o caminho escolhido para trazer o empresário de volta para a delação, ainda que de forma continuada.

Com efeito, após dois anos de “lava jato”, a qual reuniu um cabedal imenso de informações, de indícios e provas e resultou na prisão de diversos acusados, mas, ao que consta, as testemunhas e os empresários ouvidos não produziram elementos probatórios que sustentem uma condenação, ou seja, as suspeitas de corrupção passiva por parte dos membros daquela Comissão Mista de Inquérito, dentre eles, o ex-senador Gim Argello. Cabe destacar, ademais, que boa parte desses empresários e suas empresas foram pública e oficialmente indiciados no relatório final aprovado por aquela CPI, da qual, como seu vice-presidente, o ex-senador Gim Argello, foi um de seus subscritores.

Agora, diante da provável implosão da tese de corrupção, eis que surge no despacho do magistrado que comanda a operação “lava jato”, uma indicação explícita de que o agora preso Léo Pinheiro poderia esclarecer se houve ou não outro crime naquela investigação. Refere-se expressamente, aliás, ao crime de concussão, que significa uma espécie de chantagem em que alguém usa de sua posição para obter algo da vitima. Ora, esse crime seria uma espécie de mão única, em vez da “mão dupla” da corrupção (ativa e passiva), pois no caso da concussão o investigado precisa apenas apontar para outro acusado.

Fazemos questão de sublinhar esse aspecto do despacho do magistrado, exatamente por que nutrimos a esperança de que esse nosso temor seja absolutamente descabido. Seria um absurdo que regássemos a ponto de que existam despachos cifrados e induções maquiadas para que acusados desesperados possam fisgar uma isca para sua própria salvação.

Desejamos, ardentemente, estar equivocado e que esses fatos não se concretizem!* Que Deus ilumine a todos para que essa possibilidade seja um grande equívoco de um cidadão preocupado apenas com a seriedade, lisura e imparcialidade dos processos judiciais neste país.

* Este texto foi produzido antes da audiência de Léo Pinheiro, que ocorreu às 13h desta terça-feira (13/9).


[1] “Em 1745, o rei Frederico II da Prússia, ao olhar pelas janelas de seu recém-construído palácio de verão, não podia contemplar integralmente a bela paisagem que o cercava. Um moinho velho, de propriedade de seu vizinho, atrapalhava sua visão. Orientado por seus ministros, o rei ordenou: destruam o moinho! O simples moleiro (dono de moinho) de Sans-souci não aceitou a ordem do soberano. O rei, com toda a sua autoridade, dirigiu-se ao moleiro: “Você não entendeu? Eu sou rei e posso mandar demoli-lo, sem lhe pagar nada. “Vossa Alteza é que não entendeu: – Ainda há juízes em Berlim!”. A partir daí há inúmeras conclusões…