Extinção de todas as imunidades tributárias é uma questão de Justiça
As dificuldades econômicas que o país enfrenta já inspiram manifestações sobre o cancelamento de incentivos fiscais. O ministro da Fazenda em mais de uma oportunidade admite que poderá em algum momento ocorrer aumento de tributos.
O Congresso está hoje com uma pauta repleta de questões a resolver. Toda a nação acredita na necessidade das diversas reformas, dentre as quais as mais urgentes seriam a da Previdência e a Trabalhista. A reforma tributária já está sendo estudada, tendo como relator na Câmara o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR).
Como já defendemos nesta coluna e como é público e notório, o Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos do mundo. Em média, as empresas brasileiras consomem cerca de 2 mil horas de trabalho por ano só para administrar suas obrigações fiscais. Tal esforço que não se verifica em qualquer outro país, com o que os nossos custos operacionais são sensivelmente onerados, causando desvantagem às nossas empresas.
Quando falamos em reforma tributária estamos diante na necessidade de fazer com que os nossos tributos sejam cobrados de acordo com os princípios contidos na Constituição Federal, a começar pelo contido em seu preâmbulo, que não vemos necessidade de repetir aqui, pois nossos leitores já o encontraram em diversas das nossas colunas.
O artigo 150 da Constituição estabelece as limitações do poder de tributar a todos os entes federativos, independente de outras garantias concedidas aos contribuintes. Em seu inciso VI, proíbe a cobrança de impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (dos entes federativos) ; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Desde 22 de outubro de 2012 já assinalamos que Nenhum sistema tributário pode gerar privilégios. Mais recentemente, em 28 de março de 2016, sustentamos que Pelo bem do país, imunidades fiscais precisam ser revistas. Finalmente, em 19 de dezembro de 2016 reiteramos nossa preocupação em relação ao assunto, agora afirmando que O fim da imunidade tributária das igrejas é urgente.
Esta matéria mais recente teve ampla repercussão, provocando um salutar debate entre os leitores. Bem anterior a essa nossa coluna já estava em andamento no Senado uma sugestão, que hoje conta com o apoio de mais de 100.000 pessoas, propondo a extinção da imunidade para igrejas.
No portal do Senado na internet existe um item denominado “cidadania” que garante a qualquer pessoa apresentar sugestão de nova lei ou alteração de norma em vigor. Trata-se de mecanismo democrático.
No caso específico da imunidade das igrejas, a proposta foi apresentada por uma moradora do Espírito Santo em 2015 e já está registrada como sugestão a ser apreciada, pois ultrapassou o limite necessário de adesões.
Todavia, dada a natureza jurídica das imunidades, o assunto só pode ser resolvido através de Emenda Constitucional.
Essa sugestão trata apenas das igrejas. Mas o artigo 150 cuida de outras formas de favorecimento fiscal: partidos políticos, entidades assistenciais e sindicais e ainda livros, jornais e periódicos.
Por outro lado, o projeto de reforma tributária que está na Câmara pretende unificar o IPI com o ICMS e o ISS, cuidando ainda de uma ampla modificação no tratamento das chamadas contribuições sociais (PIS, Cofins etc.).
Ora, revogar apenas a imunidade das igrejas seria aceitar os argumentos da sugestão apresentada, onde a autora afirma que
“Num Estado laico não faz sentido dar imunidade tributaria a uma parcela das instituições do Brasil apenas porque elas são de cunho religioso. Qualquer organização que permite o enriquecimento de seus lideres e membros deve ser tributada. Quando certos lideres religiosos abusam do conceito de liberdade religiosa, exigindo mais e mais dinheiro dos fiéis para enriquecimento próprio, isso mostra que o único combate que deve ser feito é o do bolso, tirando esse privilegio que nunca deveria ter existido”
Note-se que partidos políticos e sindicatos também gozam de imunidade e a história recente do país permite-nos considerar que pelo menos os dois primeiros agem de forma parecida.
Por outro lado, os livros e jornais são mercadorias e como tal devem ser tratados. Essa imunidade para tais coisas serve apenas para aumentar os lucros de seus editores ou comerciantes.
Devemos considerar que as instituições religiosas podem desenvolver atividades beneméritas, como as que amparam os necessitados.
Tais atividades, contudo, podem e devem ser realizadas por sociedades de fins ideais, não lucrativos, sem que suas rendas sejam tributadas. Basta que se organizem na forma da lei e apresentem as respectivas declarações tributárias, sujeitando-se à fiscalização cabível.
Em sua coluna de ontem na “Folha de São Paulo”, o filósofo e jornalista Hélio Schwartsman, com a clareza e o equilíbrio costumeiros, perguntou: “Por que deus não paga imposto?” Depois de ofertar bons argumentos, concluiu:
“Mesmo reconhecendo que algumas igrejas mantém relevantes programas, o principio da solidariedade tributária, pelo qual todos precisam contribuir para que as taxas sejam menores, deveria prevalecer.”
Pois essa é a questão. Estamos sob o império das normas constitucionais, onde paira o princípio da igualdade. Todos devem ser tributados, conforme sua capacidade contributiva.
A imunidade que vemos hoje (e que muitas pessoas ainda pensam em ampliar!) é uma porteira aberta para todas as espécies de fraudes. Nada temos contra qualquer religião e nem mesmo contra quem não possua uma.
Preocupa-nos apenas que a questão tributária possa ser um instrumento do que vem exposto no preâmbulo da Carta Magna. Enfim: trabalhamos, nesta modesta trincheira, pela verdadeira Justiça Tributária!