TRIBUTÁRIO: Ano novo: as macaquices pós-carnavalescas na área
Por Raul Haidar
Finalmente o novo ano vai começar dentro de um mês, quando acabar o carnaval. Até lá temos recesso, férias e ensaios de escolas de samba. E no dia 8 de fevereiro começa o ano novo chinês, que termina em 27 de janeiro de 2017. Os que acreditam em horóscopo informam que tal período será o Ano do Macaco de Fogo!
Até lá precisamos nos preparar para um ano tributário que promete muitas “macaquices”. Podemos ter problemas e sofrer prejuízos com esses atos irracionais e ilegais, como já examinamos várias vezes neste espaço, mesmo que tenhamos cumprido todas as nossas obrigações fiscais.
Uma das questões que aparece com certa frequência é o Fisco notificar a pessoa física para que sejam justificados os pagamentos de suas despesas com cartões de crédito, depois que as administradoras os informam à autoridade. Temos visto casos em que o fiscal exige que o contribuinte preencha uma “planilha” mensal com minuciosa apuração de seus gastos. Isso é absolutamente ilegal.
O fiscal quase sempre elabora um “Termo de Constatação Fiscal” onde insere valores contidos em faturas de cartões de crédito e extratos bancários, obtidos mediante “Requisições de Informações sobre Movimentações Financeiras-RMF”. Ou seja: o Fisco rompeu o sigilo bancário do contribuinte, teve acesso a extratos de todas as suas contas-correntes e faturas de cartões de crédito e utilizou tais dados para o lançamento, com o que apurou um suposto acréscimo patrimonial a descoberto…
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVI – que é cláusula pétrea – (CF, art. 60 § 4º), estabelece que: “LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”
As instituições financeiras sujeitam-se à Lei 4595/64, recepcionada como Lei Complementar pela Constituição vigente. Nesse aspecto, aliás, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, pela sua 1a Turma decidiu, por unanimidade, que:
“IRPJ – Sigilo Bancário – Pelo princípio da recepção, a Lei nº 4.595/64 passou a ter eficácia de Lei Complementar, não podendo ser alterada por lei de hierarquia inferior, como pretendeu a Lei nº 8.021/90. Em conformidade com o que reza o art. 38, parágrafo 1º da Lei nº 4.595/64, o sigilo bancário somente pode ser violado por determinação judicial.” (Revista Dialética de Direito Tributário, Volume 66, página 238)
Claro está, portanto, que, ao se utilizar de extratos bancários e faturas de cartão de crédito obtidos ao arrepio da lei, faz o Fisco uso de provas obtidas por meios ilícitos que o texto constitucional considera expressamente inadmissíveis. Assim, a autuação está irremediavelmente atingida por nulidade absoluta.
Por outro lado, não cabe ao contribuinte preencher “planilhas” para supostamente comprovar seus gastos ou dispêndios mensais. Cabe apenas ao Fisco comprovar suas alegações. O professor Hugo de Brito Machado, referência mundial em Direito Tributário, em sua obra Mandado de Segurança em Matéria Tributária (Ed. Dialética, S.Paulo, 2003, pg. 272) ensina:
“O desconhecimento da teoria da prova, ou a ideologia autoritária, tem levado alguns a afirmarem que no processo administrativo fiscal o ônus da prova é do contribuinte. Isso não é, nem poderia ser correto em um estado de Direito democrático. O ônus da prova no processo administrativo fiscal é regulado pelos princípios fundamentais da teoria da prova, expressos, aliás, pelo Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis ao processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal para apuração e exigência do crédito tributário, ou procedimento administrativo de lançamento tributário, autor é o Fisco. A ele, portanto, incumbe o ônus de provar a ocorrência do fato gerador.”
Outra questão que tem causado transtornos ao contribuinte assalariado ocorre quando o empregador deixa de recolher o imposto retido na fonte. Em muitos casos o Fisco “glosa” o valor do abatimento, sem adequada verificação junto à fonte pagadora. Com isso prejudica a pessoa física, que deixa de receber eventual restituição e chega a ser intimado para pagar o que não deve.
Ao lançar contra o assalariado o IRRF não recolhido pelo ex-patrão, o Fisco comete grave injustiça e ignora o Parecer Normativo 1, de 24 de setembro de 2002, baixado pelo Secretário da Receita Federal, que afirma:
“IRRF RETIDO E NÃO RECOLHIDO-RESPONSABILIDADE E PENALIDADE – Ocorrendo a retenção e o não recolhimento do imposto, serão exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, devendo o contribuinte oferecer o rendimento à tributação e compensar o imposto retido.”
Existe apenas uma exceção a essa regra, quando a pessoa física é sócia da fonte pagadora. Veja-se o seguinte julgado:
“Ementa: Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF – Exercício 1999 – FALTA DE RECOLHIMENTO PELA FONTE PAGADORA – DIREITO À COMPENSAÇÃO PELO CONTRIBUINTE BENEFICIÁRIO DOS RENDIMENTOS – Salvo nos casos em que o beneficiário dos rendimentos é sócio da fonte pagadora, o direito à compensação do imposto retido na fonte, na declaração de ajuste anual, independe de ter a fonte pagadora procedido ou não ao seu recolhimento.” (1º CC., Acórdão nº 153038-Processo 10280.000383/2004-11-Segunda Turma-29.05.2008).
Provavelmente teremos a partir de fevereiro um ano muito movimentado no que se refere a questões tributárias. Nós contribuintes deveremos ter muito cuidado com os nossos eventuais litígios em tais assuntos, pois esse que vem por aí é o Macaco de Fogo!
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Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.